Brasileira que interrompeu gestação na Colômbia não pode ser punida, dizem advogados

Por: O Globo

09/12/2017 15:11 

Segundo especialistas, legislação brasileira só poderia ser aplicada se aborto tivesse sido feito no país


SÃO PAULO — A estudante de direito paulista, Rebeca Mendes, de 30 anos, que enviou uma carta ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo para interromper sua gestação de maneira segura e sem ser punida judicialmente, não corre o risco de sofrer alguma punição por ter realizado o procedimento na Colômbia. O advogado criminalista e sócio do escritório, Bialski Advogados Associados, Daniel Leon Bialski, explicou que a paulista não cometeu nenhum crime no país vizinho, pois, lá o aborto é legalizado em algumas situações. Portanto, a legislação brasileira não pode ser aplicada na questão.

— Qualquer ato é considerado ilícito somente onde foi cometido. E, como na Colômbia a interrupção da gravidez é legal, ela não cometeu crime. É uma situação parecida, daquelas pessoas que vão ao Uruguai e fazem uso de maconha. Lá não é considerado ilícito, mas aqui no Brasil sim. Então, essas pessoas não podem ser punidas — explicou Bialski.

A opinião de Bialski e de outros advogados ouvidos pelo GLOBO coincide com advogada Gabriela Rondon, da ONG Anis — Instituto Bioética, que dá apoio a Rebeca, que diz que ela não pode ser punida pela Justiça do Brasil por ter feito o aborto na Colômbia:

— A lei só se aplica territorialmente. Ela não realizou nenhuma fase do procedimento no Brasil.

O advogado João Tancredo, que atua na área de direitos humanos, concorda:

— O fato objetivo é que ela fez o procedimento em um país onde as leis permitiam que ela fizesse. Não pode ser atingida pelas leis do seu próprio país. A lógica é bem simples mesmo.

A legislação colombiana, desde 2006, permite o aborto em três situações: quando afeta a saúde física e mental da mulher; quando há violência sexual; e quando há má formação do feto. Ela é mais ampla que a do Brasil. Nesta última situação, por exemplo, o aborto no país não está limitado a casos de anencefalia; e, na primeira, a mulher não precisa estar sob o risco de morrer, sendo consideradas, por exemplo, situações que produzam estresse psicológico. Foi nesse caso que Rebeca se enquadrou. A Profamilia, organização colombiana especializada em direitos reprodutivos, ofereceu a ela a possibilidade de realizar o procedimento em uma clínica particular.

— A lei brasileira diz que só pode punir no Brasil se o fato foi praticado onde é crime — resumiu o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso.

Um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) consultado pelo GLOBO fez a mesma avaliação. Ele explicou que para alguém poder ser punido no Brasil por fatos ocorridos no exterior, é preciso que lá fora também seja crime. Caso contrário, não há como processar a pessoa.

Para Veloso, é possível questionar se o ato de Rebeca é ético, uma vez que houve decisão no Brasil negando o pedido dela. Mas ressaltou que penalmente não haverá consequências.— Seria uma maneira de descumprir a decisão ir para um local onde é permitido. Eticamente seria reprovável, mas penalmente não haveria punição nenhuma — afirmou o presidente da Ajufe.