Um projeto para intimidar juízes  

Artigo originalmente publicado no blog do Frederico Vasconcelos (Folha de S.Paulo)

O artigo a seguir é de autoria do juiz federal Leonardo Tocchetto Pauperio, presidente da Associação dos Juízes Federais da 1ª Região (Ajufer).

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O projeto de lei que tenta criar os chamados crimes de violação de prerrogativas é uma proposta visivelmente intimidatória, absurda, ruim, infame e antidemocrática.

São termos fortes? De fato. Mas foi assim que o Corregedor Nacional de Justiça, ministro do Superior Tribunal de Justiça João Otávio de Noronha, classificou o projeto de lei aprovado no Senado e encaminhado à Câmara dos Deputados em 22 de agosto de 2017. E como sabemos, o governo e muitos deputados e senadores trabalham diuturnamente para aprová-lo.

O projeto é mais um item do pacote anti-magistratura que segmentos do Executivo e Legislativo –e, neste caso, a OAB– buscam emplacar.

Ausência de reajuste dos subsídios, crimes de abuso de autoridade, e agora crimes de violação de prerrogativas, todos são medidas que visam enfraquecer os juízes brasileiros –justamente no momento em que o Judiciário desponta como uma guia mais segura e menos suscetível a ingerências políticas para a retirada do país do lodaçal de corrupção em que se encontra.

O projeto já anuncia o seu propósito: tipificar penalmente a violação de direitos e prerrogativas dos advogados. Mas a violação de que fala o projeto é praticada por quem? O projeto quer proteger os advogados brasileiros de que tipos de criminosos? Quem são os criminosos que o projeto quer combater e punir? A resposta confirma os adjetivos dirigidos ao projeto: são eles mesmos, os juízes.

Muitos são os equívocos e inconvenientes que maculam gravemente o projeto.

Primeiramente, porque tenta enfraquecer o movimento atual de combate à corrupção. Surge inoportunamente em um momento decisivo para a história brasileira, em que o Judiciário está julgando políticos e poderosos por crimes de corrupção.

Mas qual é a estratégia? Enfraquecer a magistratura. E com que propósito?

Em inúmeras operações realizadas no Brasil em anos recentes, verificou-se que advogados trabalharam –e é possível que muitos ainda trabalhem– para as organizações criminosas, para o tráfico de drogas, para corruptos, para o crime. Não fosse por isso, qual a necessidade de um chefe do tráfico e do crime organizado receber, em média, a visita diária de 15 a 20 advogados numa penitenciária?

O projeto também é ruim porque tenta inverter a ordem do equilíbrio institucional na comunidade jurídica.

Os juízes, por lei, têm o dever de presidir audiências, de mediar conciliações, de preservar a ordem do e no processamento das ações judiciais. É ele quem deve limitar os excessos que em muitos casos as partes e seus advogados, agindo pela parcialidade da pretensão que defendem, acabam praticando. A função judicial é de mediação por essência.

E quando o projeto submete o magistrado a caprichos, ameaçando-o com o peso de um processo criminal ao, por exemplo, limitar o acesso de advogados a salas e dependências de secretarias e cartórios, o equilíbrio processual e institucional é prejudicado. Sobremaneira porque, pelo projeto, o processo contra o juiz ficará a cargo da OAB, que passa a ter a prerrogativa de pedir às autoridades investigação e diligências contra juízes sobre eventual violação de prerrogativas.

Não se pode negar que há muito trabalho ainda pela frente para aperfeiçoar a prestação jurisdicional no Brasil. Os juízes brasileiros precisam se capacitar mais e estarem mais preparados para os desafios do presente e futuro.

Mas uma coisa é certa: o Judiciário está fazendo no Brasil o que CPI’s, conselhos de ética, controladorias e corregedorias não conseguiram fazer ao longo de décadas.

Um debate nacional a respeito do Judiciário é salutar e democrático. Mas não faz sentido pretender submeter uma instituição solidamente construída para a defesa e salvaguarda de toda uma sociedade aos caprichos da sua clientela. E é sempre bom lembrar que a dignidade dos advogados também é garantida pela atuação imparcial e justa do Poder Judiciário.