Falta de unicidade de precedentes nas cortes superiores afeta trabalho de juízes, diz presidente da Ajufe

Entrevista do presidente da Ajufe, Fernando Mendes, ao Boletim nº 3091, da Associação dos Advogados de São Paulo. Acesse a íntegra.

 

Os juízes e desembargadores são muito cobrados para que os precedentes firmados nas cortes superiores sejam seguidos. Os argumentos para isso são o aumento da segurança jurídica e a maior celeridade que o Judiciário pode imprimir às ações que nele tramitam. Porém, em muitas causas, os magistrados de primeira e segunda instâncias, ao pesquisarem esses julgados, se deparam com entendimentos antagônicos proferidos por ministros de uma mesma corte.

Para o presidente da Ajufe, juiz federal Fernando Marcelo Mendes, esse é o maior entrave para que a determinação seja cumprida. “É necessário ter um precedente no qual o magistrado possa basear sua decisão. A grande dificuldade está em encontrar uma sinalização clara sobre qual precedente prevalecerá naquele momento. Isso acontece tanto no Superior Tribunal de Justiça quanto no Supremo Tribunal Federal”, afirma à Associação dos Advogados de São Paulo.

Especificamente sobre as repercussões gerais afetadas pelo STF, Mendes alerta que, apesar da suspensão de ações ligadas aos temas para que a corte constitucional defina um entendimento único, isso não impede o ingresso de novos pedidos. “A judicialização vai crescendo e deixa uma imagem ruim do Judiciário. A solução exige um movimento conjunto. É preciso delimitar o papel do Supremo como um julgador de causas, não de processos”, opina o juiz federal.

 

Leia a entrevista:

Em relação às repercussões gerais, como equilibrar o acesso à Justiça e a celeridade exigida do Judiciário?

A partir do momento em que o STF afeta algum tema à repercussão geral, isso não impede a entrada de novas ações. Os juízes não podem julgar essas novas causas, mas a porta de entrada permanece aberta. E isso faz com que o volume de ações continue aumentando. A judicialização vai crescendo e deixa uma imagem ruim do Judiciário. A solução exige um movimento conjunto. É preciso delimitar o papel do Supremo como um julgador de causas, não de processos. A partir do momento em que as teses principais são definidas, há um efeito cascata em milhares de processos.

E como resolver esse impasse?

Ainda estamos em um processo de transformação, e isso faz com que o STF afete inúmeros temas à repercussão geral. E o Supremo, que também tem o papel de corte constitucional e de corte política, por sua atuação na política judiciária, deve julgar esses casos, preocupando-se não com o processo específico, mas com o efeito que determinada decisão terá em milhares de ações. Com a melhoria da tecnologia, avançaremos nesse mundo mais racional. A inteligência artificial pode ser de grande ajuda na identificação das causas, o que, consequentemente, aumenta a segurança jurídica, dando determinado norte em uma interpretação constitucional sem que isso implique restrição de acesso ao Judiciário.

Como assim, “melhor identificação de causas”?

Nem sempre quando determinada causa está sob repercussão geral, ela é muito significativa naquele processo concreto. Pode haver um descompasso nesse ponto, pois aquela ação pode não ser o melhor processo a ser usado para analisar o respectivo tema.

Impor um prazo para julgar repercussões gerais pode ser uma solução?

Essas soluções nem sempre são tão simples, porque a dinâmica da Suprema Corte depende muito de um contexto político. Nem sempre será possível determinar um período para uma avaliação adequada de um assunto. Soluções nesse sentido devem ser analisadas com cautela. Nem sempre a estipulação de prazos é o caminho adequado para se resolverem problemas concretos. O que dará celeridade é a melhor edificação das causas que representam a repercussão geral.

Uma proposta de solução pode acabar virando um problema?

A determinação de prazos pode ter um efeito perverso. Delimitar um determinado período para analisar a repercussão geral vai acabar impedindo a afetação de novos temas. Resolve-se uma parte do problema, mas, por outro lado, trava-se a pauta. É aquela máxima: para problemas complexos sempre há uma solução simples que se mostra errada.

Então qual é a solução?

Temos que dialogar e, com o tempo e a mudança de perspectiva, sairemos de um controle eminentemente subjetivo no recurso extraordinário para caminharmos rumo à objetivação e também a um modelo em que a própria corte defina seus limites e as causas a serem julgadas, evitando assim a judicialização em massa.

Como juízes e desembargadores podem colaborar para que menos ações cheguem às cortes superiores?

É necessário ter um precedente no qual o magistrado possa basear sua decisão. A grande dificuldade está em encontrar uma sinalização clara sobre qual precedente prevalecerá naquele momento. Isso acontece tanto no STJ quanto no STF. Quando o juiz vai decidir uma causa, tem uma convicção e vai procurar o entendimento das cortes superiores, por vezes são encontrados precedentes contraditórios na própria corte superior. Isso é que gera o problema.

Resumindo: segurança jurídica para julgar?

A grande cobrança que parte da primeira e da segunda instâncias é: “Vamos seguir os precedentes, mas as cortes superiores devem definir qual está prevalecendo”. Essa objetivação do processo é um caminho que deve ser perseguido. É claro que existem situações em que o precedente de determinadas matérias não é respeitado, mas são exceções.

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