O projeto da intimidação

Artigo de autoria do juiz federal Rodrigo Machado Coutinho,secretário-geral da Ajufe, originalmente publicado pelo jornal Zero Hora.

A Câmara dos Deputados aprovou a nova Lei de Abuso de Autoridade, criminalizando diversas condutas atribuídas aos agentes públicos que, no exercício de suas funções, extrapolarem os limites do seu ofício.

Apesar da urgência do Congresso em apreciar projeto de lei tão polêmico e importante sem o devido debate, bem como da sua votação às escondidas, sem a reclamada votação nominal, cinjo-me a suscitar a reflexão: quem, na verdade, tem interesse na aprovação desse texto legal nos moldes em que se encontra?

A maior parcela dos tipos penais ali preconizados sanciona a conduta de magistrados, promotores, procuradores da República e agentes que atuam na área de segurança pública, restando ínfima parcela para os demais servidores públicos e praticamente nenhuma aos integrantes eleitos do Poder Legislativo.

Aumentaram o espectro de condutas recriminadas e recrudesceram o sancionamento dado o momento histórico recentemente vivido de efetiva responsabilização criminal de autoridades dos poderes Legislativo e Executivo envolvidas em esquemas de corrupção.

Não há caminho para o presidente Bolsonaro que não o veto à nova lei de abuso de autoridade

Tamanha foi a necessidade de se protegerem e assegurarem proteção a diversos empresários corruptos, que os congressistas criaram tipos penais para todas as etapas do longo percurso de imputação de culpa e com elementares imprecisas e abrangentes, o que abarca uma gama considerável de possibilidades comissivas e omissivas que engessam os atos de investigação e punição dos criminosos.

É importante ficar atento aos interesses “ocultos” que orientaram a ação do Congresso, pois criaram, em tese, hipótese de suspeição de magistrado; quando este responder a inquéritos ou processos sobre a sua conduta, decorrentes da nova lei, deverá afastar-se do processo que conduzia, que tenha vinculação com o seu ato sob investigação.

Nenhum abuso pode ser tolerado, mas o espectro da nova legislação foi muito além do razoável e irá, com certeza, impedir o avanço no trabalho de investigação dos processos de corrupção no nosso país, razão pela qual não há caminho para o presidente Bolsonaro que não o veto à nova lei de abuso de autoridade.

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