O Projeto “Conhecendo as Juízas Federais” traz ao público uma imagem de quem são as juízas federais e ajuda a saber como elas percebem a carreira quando se trata de questões de gênero. As histórias são contadas por meio entrevistas com as magistradas federais.

Conhecendo as Juízas Federais #15 – Cynthia de Araújo Lima Lopes

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A 15ª entrevista do “Conhecendo as Juízas Federais” é com a juíza Cynthia de Araújo Lima Lopes, que começou a carreira na Magistratura Federal na 5ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia, em 1995, como juíza federal substituta.

Após promoção, a magistrada atuou na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Amazonas, em Manaus, sua cidade natal e, em meados do ano 2000, retornou para Salvador, já na condição de titular da 19ª Vara, especializada em Execução Fiscal. Em 2004, a juíza federal foi removida para a 14ª Vara Cível da Seção Judiciária da Bahia, onde permaneceu.

Durante a carreira, vivenciou problemas graves, enfrentando desde o crime organizado ao tráfico internacional de entorpecentes, à época muito presente na estrutura estatal do Amazonas. Cynthia também revelou que, nos quase 25 anos de magistratura, ouviu “piadas e gracejos que revelavam profundo desapreço pela figura feminina”, mas nada que se colocasse como um obstáculo à atuação dela enquanto magistrada.

A juíza acredita no equilíbrio entre as atividades da magistratura e outras igualmente importantes, como a família – casada há 34 anos, sempre dividiu a criação dos filhos com o parceiro -, o lazer e o meio acadêmico. Sobre o último, ela afirma: “É sendo professora que me torno uma magistrada melhor, ao mesmo tempo em que levo para a sala de aula a experiência que a atividade jurisdicional me proporciona. É uma troca maravilhosa. Há, por assim dizer, uma relação de complementaridade entre a docência e a atividade judicante. Transitar nesses dois âmbitos é, seguramente, uma experiência extraordinária: um, extremamente formal e, outro, tem como tônica a informalidade, o questionamento, a crítica irreverente, muitas das quais dirigidas a todo o sistema de justiça e ao Judiciário, em particular”, contou.

Leia a entrevista completa.

 

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Na foto, a magistrada Cynthia despacha processos em seu gabinete.

1) Onde a senhora começou a exercer a sua jurisdição?

Comecei a exercer jurisdição na 5º Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia, em 12 de novembro de 1995, como juíza federal substituta. Posteriormente, por força de promoção, atuei na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Amazonas, em Manaus, minha cidade natal e, em meados do ano 2000, retornei a Salvador, já na condição de titular da 19ª Vara, especializada em Execução Fiscal e, em 02.06.2004, fui removida para a 14ª Vara Cível da Seção Judiciária da Bahia, onde me encontro até hoje.

Na verdade, sempre quis ser juíza, tanto que quando fiz vestibular para a Universidade Federal do Amazonas, minhas opções foram: a primeira, direito diurno e a segunda, direito noturno. Não queria fazer outro curso a não ser o de direito. Todavia, concluída a faculdade, percebi que este sonho era inatingível, porque se optasse pela magistratura estadual, teria que passar muitos anos em cidades do interior do Amazonas, até ser promovida para capital. Para se ter uma idéia da dimensão deste Estado, as distâncias entre as cidades eram medidas por dias de viagem de barco.

A precariedade da vida no interior, aliada ao longo tempo que teria que permanecer mourejando pelas longínquas cidades, me desanimaram totalmente. Não queria passar uma parte tão preciosa da minha vida, a juventude, sozinha, pelas localidades interioranas, além do mais, queria continuar estudando, viajar, casar, ter filhos e imaginava que isso seria muito difícil no interior, pelas condições de vida extremamente precárias. Em algumas localidades, a energia elétrica, quando tinha, era extremamente, precária. Prestar concurso para a magistratura federal, de outro lado, era algo totalmente impensável. Ao tempo em que cursava a faculdade, nunca nenhum/nenhuma amazonense tinha logrado aprovação no concurso para juiz federal.

Os magistrados que atuavam na Justiça Federal, em Manaus, vinham de fora. Trabalhavam por um período e eram removidos, de forma que imaginava ser praticamente impossível ter sucesso em concurso tão difícil. Era como algo que se punha – segundo minha avaliação – inteiramente fora do meu alcance.  Diante de tanto, abri mão do meu sonho, conformando-me em seguir outras carreiras jurídicas.  Mas aquele desejo estava em mim, permaneceu em mim, adormecido em algum lugar. Até que fui morar em Brasília, quando decidi fazer o concurso de juiz federal. O dia que saiu o resultado e que soube que havia sido aprovada, foi um dos mais felizes da minha vida. Fui nomeada e escolhi a Bahia para exercer a jurisdição, onde me encontro até hoje.

 

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2) Quais foram as suas atuações mais relevantes?

Na Seção Judiciária do Amazonas, onde titularizei, tive de lidar contra o crime organizado, relacionado ao tráfico internacional de entorpecentes foi, sem sombra de dúvida, minha atuação mais relevante, eis que representou um desafio enorme para mim, que até então só tinha desempenhado minhas atribuições jurisdicionais em vara cível. Foi relevante pela magnitude do problema existente naquela Seção Judiciária, eis que se tinha de agir contra verdadeiros grupos de extermínio que assombravam a população local.

Em Salvador, decidi alguns casos que me impressionaram enormemente, como o do acidente aéreo, com o voo 254 da VARIG, ocorrido em 1989, que ia de São Paulo para Belém, com várias escalas –  bastante rumoroso à época – , causado por um terrível erro de uma vírgula no número da rota, em vez de 027,0º, o piloto digitou 270º, o que fez com que o voo se desviasse absurdamente da rota, ao invés de seguir para o norte, em direção a Belém, foi para o oeste, sendo obrigado a fazer um pouso de emergência, na selva amazônica, em São José do Xingu/MT.

A  demanda foi intentada pelos próprios sobreviventes que buscavam responsabilizar a União em face da ausência do Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA), um sistema que, segundo se alegou, se já houvesse sido instalado naquela região, como já havia em outras partes do país, não teria permitido a ocorrência do nefasto e trágico acidente. Outra situação foi a de um deslocamento ilegal de criança de seu país de origem e sua retenção no Brasil pela própria mãe (subtração internacional de criança). Tratava-se de uma baiana que morava em Paris e que trabalhava como dançarina, em uma casa noturna, tendo casado com um argelino, e com ele tido um filho. Não suportando os maus-tratos que lhe eram infligidos pelo marido, veio para o Brasil com a criança.

O pai, que trabalhava como motorista de caminhão de dia e como segurança à noite, inconformado com a vinda do filho de 7 anos para o Brasil, e sentindo-se ludibriado pela mãe, que obteve sua autorização apenas para férias na Bahia, buscou garantir seu retorno imediato a Paris. A criança, segundo se apurou, se retornasse a sua cidade de origem, seria cuidada por familiares paternos, dado que o pai trabalhava em duas jornadas. Todavia, qualquer que fosse a solução a ser dada, teria que levar em conta a “Convenção sobre os aspectos civis do Seqüestro Internacional de Crianças”, que tem entre os seus escopos o de “proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícita e estabelecer procedimentos que garantam o retorno imediato da criança ao Estado de sua residência habitual”, subscrita pelo Brasil, em Haia, e que entrou em vigor no país em 1º de janeiro de 2000.

Distinto foi outro caso que me veio às mãos, o de um menino africano que chegou à Bahia, como clandestino, num navio proveniente da Guiné Equatorial, tendo sido descoberto pelo comandante já próximo à costa brasileira. Vindo nesta condição, teria que retornar incontinenti ao seu país de origem, de onde saíra para fugir das sucessivas guerras. Já não tinha os pais, mortos nos sangrentos e infindáveis conflitos que afligiam sua pátria. Ou seja, não tinha um lar para voltar; família para encontrar, pessoas que dele cuidassem. Foi requerida uma medida cautelar para garantir a permanência do adolescente em terras brasileiras, sendo que a Polícia Federal já havia providenciado seu retorno para o dia seguinte.

Estava, pois, tudo pronto para a viagem: passagens compradas, agentes designados para reconduzi-lo ao país africano. Essas foram algumas das situações verdadeiramente dramáticas e que demandaram soluções imediatas, eficazes, definitivas e irreversíveis no plano fático, que tiveram repercussão gigantesca na vida dessas pessoas. Não sei se decidi da melhor forma. Se tomei a decisão mais justa. Jamais saberei.

 

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3) Quais as dificuldades que a senhora já enfrentou?

As audiências nos processos relativos à apuração do tráfico internacional de entorpecentes, normalmente envolviam vários réus presos com diversos advogados, tradutores, muitas testemunhas, às vezes se estendiam por todo o dia, podendo entrar pela noite.

Eram extremamente extenuantes, considerando-se que, nessa época, não eram gravadas, como hoje são, de modo que os registros dos depoimentos se faziam por escrito, sob ditado do juiz, o que levava a uma demora muito maior e exigia muita atenção para que a transcrição se desse da forma mais fidedigna possível, sem falar nos incontáveis incidentes provocados pelas defesas dos acusados e que tinham que ser solucionados de imediato.

Lembro que numa dessas audiências, com dezenas de pessoas na sala, a advogada de um dos réus, que estava preso, noticiou, após o intervalo para o almoço, que havia sumido de sua bolsa, ali no próprio recinto, vultosa quantia em dinheiro referente a honorários advocatícios. Fiquei atônita, sem saber ao certo o que fazer, pois suspeitei que o intuito era causar tumulto e desviar o foco da colheita da prova, talvez a tentativa de criar um escândalo, já que se tratava de um caso de muita repercussão na imprensa, não sabia ao certo. Naquela época, não havia câmeras na sala de audiências – posteriormente, como diretora do foro, providenciei a instalação de câmeras em todas as salas de audiências da Seção Judiciária.

Conquanto intuísse não ser verdadeira a narrativa da advogada, não poderia deixar de adotar providências tendentes à apuração do fato, tendo em vista que se tratava da notícia de crime nas dependências da Justiça Federal. Fato, em tese, grave, e que merecia ser apurado. A atuação nesse tipo de processo era, de outro lado, perigosa e arriscada, em face das ameaças de morte sofridas pelos magistrados que ali atuavam, sendo que alguns passaram a ter escolta da Polícia Federal, 24 horas por dia, dado o risco de morte que corriam. Vivia-se, portanto, sob tensão permanente.  Recordo de uma vez em que estava com as crianças num shopping da cidade e elas sumiram momentaneamente.

Quase entrei em pânico só de pensar o que poderia acontecer a elas. Mas, felizmente, encontrei-as logo depois em uma loja de brinquedos, não sem antes causar um alvoroço na segurança do mesmo shopping. Esse episódio, no entanto, serviu para me deixar bastante assustada. Havia perdido a paz.

 

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4) A senhora já sofreu alguma dificuldade ou agravamento especial na profissão por ser mulher?

Pessoalmente, não. Ouvi algumas piadas e gracejos que revelavam um profundo desapreço pela figura feminina, chegando a soar ofensivos, com o claro escopo de constranger, de intimidar, de diminuir.

 

5) O que é, a partir da experiência da senhora, ser magistrada federal?

É a realização de um ideal alimentado desde muito cedo. A magistratura foi, sempre, meu sonho, e posso assegurar que jamais seria plenamente feliz se não o houvesse concretizado. Afirmo, com absoluta segurança, que sou imensamente afortunada, pois tive e tenho a chance de realizar este sonho todos os dias e que me esforço, incessantemente, para ser uma juíza que tenta descortinar o justo em todas as decisões, em todos os pronunciamentos, em todas as atitudes, inclusive as adotadas durante as audiências. Busco avaliar, no desempenho do meu mister, as conseqüências das minhas decisões na realidade, na vida das pessoas. É importante que se diga que a decisão judicial é sempre um ato valorativo, dado que o juiz atua, em última análise, como um intérprete dos valores que vicejam na sociedade onde está inserido, em dado momento histórico.

 

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6) Como é administrar uma Seção ou Subseção Judiciária?

Ao longo de minha vida profissional tive oportunidade de administrar duas Seções Judiciárias: a do Amazonas e a da Bahia. O que posso dizer é que o fiz sem grandes percalços, sempre contando com equipes de servidores extremamente qualificadas, que me deram suporte técnico-administrativo valiosíssimo. Uma das grandes preocupações do gestor público é com o emprego correto dos recursos públicos. Sempre me ative aos parâmetros da legalidade, especialmente na realização de processos licitatórios escorreitos, na realização de despesas, execuções de contratos,  e sempre contei com o apoio do controle interno,  que costumava dizer brincando que era meu “anjo da guarda”, por ter a atribuição de apontar o caminho a ser trilhado. Todas as vezes que tive que tomar decisões imediatas, menos ortodoxas, que são exigidas do administrador público em algumas circunstâncias, eis que as atividades administrativas não podem ser interrompidas e a preservação do interesse público é o que deve orientar todas os comportamentos da administração,   sempre me preocupei em examinar se se tratava de uma decisão juridicamente sustentável e se estava, efetivamente, zelando pelo interesse público que, como sabido, é a  missão maior de todo gestor público. Adotei continuamente uma postura rigorosa e firme, sem receio de decidir, ainda quando esta decisão implicasse em desagradar colegas ou servidores. Lembro que tive enorme dificuldade na instalação de Varas no interior da Bahia:  cronograma apertado; empresas que não cumpriam prazos na entrega das obras; licitações fracassadas; rescisões contratuais; celebração de contrato com  empresas que alçaram o segundo ou terceiro lugar na licitação, bem como a necessidade de contratar emergencialmente alguma empresa, o que só pode ser feito em circunstâncias especialíssimas. Eu diria que a maior dificuldade que tive foi com a execução de grandes contratos, como os de obras, de fornecimento de serviços de limpeza, de copeiragem e de segurança, etc. Lembro que realizei incontáveis reuniões com empreiteiros para tratar da execução dos serviços contratados em atraso. Para mim, foi a parte mais difícil. É inegável, entretanto, que se tratou de uma experiência extremamente enriquecedora e desafiadora. Até hoje, volta e meia sou designada para substituições eventuais na Direção do Foro da Seção Judiciária da Bahia e o faço com muita tranqüilidade, por já conhecer suficientemente a estrutura administrativa, sua dinâmica e o corpo de servidores altamente qualificado.

 

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7) Na opinião da senhora, é possível conciliar a atividade profissional, acadêmica e familiar?

Sempre tive a clareza de que é preciso equilibrar não apenas essas atividades, mas também outras, igualmente importantes, como atividade física diária, lazer, especialmente, nos finais de semana ensolarados – afinal de contas, moro em Salvador (risos) – , além de leituras diversas (livros não técnicos e jornais, etc.). Tem que haver tempo, pois, para atividades prazerosas, que devem estar inseridas no dia a dia. Quanto à atividade acadêmica, considero-a da maior importância. É sendo professora que me torno uma magistrada melhor, ao mesmo tempo em que levo para a sala de aula a experiência que a atividade jurisdicional me proporciona. É uma troca maravilhosa. Uma atividade enriquece a outra, num ciclo virtuoso. Há, por assim dizer, uma relação de complementaridade entre a docência e a atividade judicante.

Transitar nesses dois âmbitos é, seguramente, uma experiência enriquecedora: um, extremamente formal e, outro, tem como tônica a informalidade, o questionamento, a crítica irreverente, muitas das quais dirigidas a todo o sistema de justiça e ao Judiciário, em particular. Ver o Poder Judiciário sob a ótica questionadora, de pessoas que nunca o integraram, me leva, permanentemente, a muitas reflexões, inclusive sobre a minha própria atuação jurisdicional, o que me oferece, induvidosamente, a chance de ser uma magistrada melhor, porque o meu atuar é enriquecido pelo olhar crítico e reflexivo deste segmento social tão importante.

O exercício da magistratura ainda precisa ser conciliado com a família e, nesta perspectiva, impende reconhecer que tenho um parceiro incrível há 34 anos, com quem decidi compartilhar minha existência, as agruras e as responsabilidades atinentes à criação de nossos filhos e que sempre revezou comigo, especialmente, quando  precisei estudar para o concurso de juiz federal, e no dia a dia, em face da pesada rotina de trabalho que se estende até mais tarde e que, muitas vezes, não me permitiu chegar em casa a tempo de fazer alguma atividade com as crianças.

Quanto às dificuldades em razão da condição feminina, não é possível ignorar que vivemos em um mundo extremamente machista, no qual é assegurada aos homens uma posição de proeminência e à mulher se reserva um destino menos relevante. Neste mundo, são toleradas agressões, violências físicas e morais, podendo essas se manifestarem em forma de assédio moral e/ou sexual, ou de forma mais sutil, com piadas, gracejos nada lisonjeiros, como o que um dia ouvi, de um colega, por ocasião do 8 de março, no qual, como é notório,   comemora-se o Dia Internacional da Mulher, “Hoje é dia de mulher!”, acompanhado de uma risadinha marota. A pretensa brincadeira não poderia ser mais tosca e, note-se, que não veio de uma pessoa sem qualquer grau de instrução. Muito ao contrário. Partiu de um colega de alto padrão intelectual, detentor de invejável titulação acadêmica.

Outra vez, um juiz de Vara de Família, a quem indaguei, a respeito da caracterização de uma dada situação como união estável, para fins previdenciários, obtive literalmente a seguinte resposta: “Um homem pode viver 20 anos com uma ‘quenga’, mas ela não terá direito a nada, pois será sempre uma ‘quenga’”! É espantoso! O pior, é que, muitas vezes, a mulher, de tão habituada a essas barbaridades, não se dá conta do papel subalterno que lhe é impingido, achando, muitas vezes, natural que assim seja. Mas não é! Uma colega, também magistrada, cujo marido é um renomado advogado, sentia-se insultado quando ela recebia convites em seu próprio nome. Achava que os convites deveriam ser a ele endereçados, afinal, era o chefe da família.

Não é possível deixar de mencionar, a outro tanto, que episódios de assédio sexual e moral também vicejam em nosso meio, muito mais do que se possa imaginar. Sempre que tive conhecimento, agi como achei que deveria, apoiando a mulher, vítima de comportamentos abusivos, tentando encorajá-las a agir, a enfrentar esse tipo deletério de conduta,  e se não fui além, foi por medo delas de se exporem, de sofrerem represálias de seus chefes ou mesmo em razão de acreditarem que não iria dar em nada, o que é profundamente lamentável.

O fato é que o machismo está aí em todas as paisagens, turvando-as, e é imperioso lutar contra a naturalização dele, alertando às mulheres que precisam tomar consciência de que não precisam se submeter a situações de desigualdade, de violência, e que não estão sozinhas nessa batalha que deve ser de todas e de todos. O machismo também se torna visível no Poder Judiciário, por exemplo, no inexpressivo número de mulheres promovidas para cargos nos tribunais, ou mesmo no exercício de cargos de direção; na diminuta participação feminina na composição de bancas de concurso, na organização de seminários que contam com a maciça presença masculina. É, portanto, inegável que a estrutura judiciária nacional encontra-se comprometida com o modelo organizacional que sobrevaloriza o masculino em detrimento do feminino.

 

8) O que a senhora sonha enquanto mulher magistrada?

Um Judiciário que contemple, que abrace, igualmente, tod@s; que observe a paridade de representação da mulher, nos diversos espaços, dentro da magistratura, que apóie, inclusive, as mães magistradas que tem filhos com necessidades especiais, pois estas, muitas vezes, são condenadas a ficar estagnadas na carreira, pela falta de um tratamento diferenciado que lhes assegure condições substancialmente isonômicas, considerando-se que a promoção na carreira implica invariavelmente mudança de domicílio. Sonho, enfim, com um Judiciário que consiga proporcionar tratamento igualitário a tod@s os gêneros. E não apenas isso. É preciso pensar o Judiciário que espelhe a sociedade multifacetada na qual ele está inserido, que é composta também de homens e mulheres negros, de homossexuais e toda essa diversidade redundará, certamente, num Judiciário mais rico, porque contemplará a complexidade que existe na sociedade, destinatária de suas decisões. Isso, na verdade, não deixa de ser uma conseqüência da democracia, no que nela há de mais substancial, porque permitirá que os diversos segmentos sociais, étnicos, de gênero, vejam-se nele refletidos. Em isso ocorrendo, o Judiciário deixará de espelhar o machismo dominante, para também refletir outras experiências, outros olhares, o que terá impactos significativos no próprio exercício da jurisdição.  

9) Qual a mensagem a senhora pode deixar para as mulheres que sonham ou já sonharam em seguir a carreira?

Que não hesitem um só instante; que lutem e que se esforcem para atingir seus objetivos, porque não basta ter sonhos.  É necessário, sobretudo, comprometer-se com eles; fazê-los acontecer, mesmo que isso implique, momentaneamente, em sacrifícios, renúncias, angústias, frustrações, decepções, tristezas, mas que não há nada mais gratificante do que vivenciar o destino que se elegeu, e só então, se compreenderá que nada, absolutamente nada, foi em vão e que a felicidade é uma conquista.   

 

10) Deixe alguma mensagem ou fale sobre algo que acredite que não tenha sido contemplado nas perguntas anteriores.

Gostaria de alertar, especialmente as magistradas que ainda não se deram conta, que tirem a venda dos olhos para enxergar que vivemos imersos numa cultura secular de discriminação da mulher; que estejam atentas às práticas que contribuem para perpetuar este modelo desigual e perverso e que não observa a paridade de tratamento entre os diversos gêneros e que é necessário ficar atenta para não reproduzir padrões de comportamento  que reforcem o machismo e a discriminação. 

Ajufe Mulheres