O Projeto “Conhecendo as Juízas Federais” traz ao público uma imagem de quem são as juízas federais e ajuda a saber como elas percebem a carreira quando se trata de questões de gênero. As histórias são contadas por meio entrevistas com as magistradas federais.

Conhecendo as Juízas Federais #5 - Tânia Heine

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Nesta edição do projeto "Conhecendo as Juízas Federais", a AJUFE apresenta a história da desembargadora federal aposentada Tânia Heine. Ela dedicou 33 anos da vida ao exercício da magistratura, atuando em diversos casos de grande repercussão nacional e relevância histórica. É dela a primeira sentença a reconhecer a responsabilidade da União Federal na morte de um preso político, por exemplo.

Tânia tomou posse como juíza substituta em 1976, na 1ª Vara do Rio de Janeiro, foi titularizada um pouco depois, em 1977. Sobre as dificuldades enfrentadas, ela destaca o período em que foi diretora do Foro da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, quando passou por problemas como a escassez de verbas e até o desabamento do teto por causa de cupins.

A magistrada ainda enfrentou dificuldades estruturais pelo seu gênero. Durante a entrevista, Tânia contou que assumiu o cargo com dois filhos pequenos, mas conseguiu conciliar carreira e família graças ao marido que participava ativamente da vida doméstica. A magistrada também destacou o período em que viu algumas amigas, que também eram mães, passarem por dificuldades, justamente por não contarem com o apoio dos maridos ou pais dos filhos.

Sobre a carreira, Tânia Heine finaliza dizendo que a profissão torna-se gratificante quando se gosta do que se faz. "O que me encantava era poder decidir o que eu achava justo, interpretando a lei nesse sentido", destacou.

 

1) Onde a senhora começou e exerceu a sua jurisdição?
 
Fui aprovada no 2º Concurso para Juiz Federal Substituto, tendo tomado posse na 1ª Vara do Rio de Janeiro em 1976, onde era titular o Dr. Evandro Gueiros Leite. Na primeira composição da Justiça Federal, após sua recriação em 1966, foi nomeada a Dra Maria Rita Soares de Andrade para o Rio de Janeiro. No 1º Concurso foi aprovada a Drª. Julieta Lidia Lunz, lotada também, no Rio de Janeiro.
 
No meu concurso foram aprovadas duas mulheres, eu e Ana Maria Scartezzini ( nome de casada, tendo o casamento ocorrido com Jorge Scartezzini do primeiro concurso, depois da sua posse ), que foi lotada em São Paulo.  
Na época, as varas não tinham especialização. Em 1977 com a extinção do cargo de Juiz Federal Substituto, todos os substitutos foram titularizados, dividindo-se cada vara em Vara I e Vara II.
 
 
2) Quais foram as suas atuações mais relevantes?
 
Foram muitos os processos que ficaram na minha memória. Alguns de grande repercussão, como a primeira sentença reconhecendo a responsabilidade da União Federal quanto ao desaparecimento de um preso político, o jornalista  Mario Alves. Também em relação a um acidente aéreo com avião da LUFTHANSA, tendo que utilizar o seguro marítimo para traçar um paralelo com a responsabilidade da torre de controle. Ainda bem que meu pai, comandante da VARIG, me ajudou a analisar a perícia.
 
Outros casos são de agradecimentos de ex-combatentes e pessoas de baixa renda que necessitavam de solução para questões previdenciárias. Recordo-me de uma gestante que encaminhei ao Hospital da Aeronáutica (o marido era ex combatente da Aeronáutica, com processo ainda em fase de execução). Mediante meu ofício, ela foi internada e um mês depois apareceu na Vara com uma menininha registrada com meu nome.
 
No Tribunal foram inúmeros casos, inclusive um transsexual que morava na França e foi preso ao visitar a mãe na Bahia, por falsidade ideológica. A Drª. Nizete Lobato, então juiza criminal,  já havia absolvido o réu e determinado que ele fosse solto para não ser colocado num presídio masculino, demostrando sua sensibilidade, numa época em que ainda o assunto era pouco comentado.
 
Em um processo de readaptação para Auditor Fiscal, duas senhoras idosas me procuraram no gabinete para falar da apelação. O processo administrativo estava nos autos, completamente amarelado, mas demonstrava o alto grau de responsabilidade de suas funções. Foi um exercício criativo comparar as funções atuais do cargo com aquelas da década de 60. O recurso foi provido pela minha Turma e mantido no STJ. Até hoje recebo um cartão de Natal de uma delas que deve estar com cerca de 100 anos.
 
Ao assumir a Presidência do TRF deparei-me com a privatização da Vale do Rio Doce e foram dias reexaminando liminares que suspendiam o leilão, com a imprensa de plantão, inclusive no dia do meu aniversário, quando os servidores organizaram uma festinha à noite. Convidei os jornalistas, expliquei que não era dinheiro público, e nada foi publicado a esse respeito.
 
 
3) Quais as dificuldades que a senhora já enfrentou?
 
A primeira dificuldade diz respeito ao início do exercício da nova função. Eu sabia prolatar sentenças, mas tinha dúvidas quanto aos despachos interlocutórios. As verbas escassas nos obrigavam a despesas do próprio bolso para consertar máquinas de escrever, comprar papel, etc.
 
Éramos poucos juízes, os concursos não preenchiam todas as vagas, estávamos sempre acumulando Varas, especialmente em época de férias. Quando assumi a Corregedoria criei uma semana de adaptação para os juízes novos, o que depois tornou-se obrigatório e em maior extensão.
 
 
4) A senhora já sofreu alguma dificuldade ou agravamento especial na profissão por ser mulher?
 
Sempre contei com o apoio dos colegas mais antigos e nunca me senti discriminada por eles. A discriminação vinha de alguns advogados que me confundiam com a secretária do juiz.
 
A primeira Vara Federal era a competente para as audiências de naturalização. Uma vez um árabe se recusou a ser naturalizado por mim, simplesmente por eu ser mulher.
 
 
5) O que é, a partir da experiência da senhora, ser juíza federal?
 
Como toda profissão, é extremamente gratificante quando gostamos do que fazemos e nos sentimos realizadas. O que me encantava era poder decidir o que eu achava justo, interpretando a lei nesse sentido, uma liberdade que se faz mais presente no primeiro grau de jurisdição, pois no Tribunal nem sempre o nosso voto prevalece apesar de estarmos convictas do seu acerto.
 
 
6) Como é administrar uma Seção ou Subseção Judiciária?
 
Fui Diretora do Foro por 3 anos de, 1986 a 1988, inclusive inaugurei o Anexo I, tive que enfrentar o fechamento das Varas que funcionavam no atual CCJF, em virtude do desmoronamento do teto atacado por cupins. A solução, depois de quase 2 meses, foi alugar um prédio na Cinelândia para onde as Varas foram transferidas. Pressão da OAB de um lado e escassez de verba do outro. Como falavam que a Constituição de 1988 iria acabar com a Justiça Federal, por funcionar somente nas capitais, pois no interior alguns de seus processos eram julgados por juízes estaduais ou trabalhistas, o Presidente do TRF decidiu iniciar a interiorização.
 
Iniciei essa etapa inaugurando duas varas em Niterói. Fui também indicada pelo Presidente do TRF, junto com o Ministro Carlos Thibau, oriundo do Rio de Janeiro, para providenciar um prédio para a instalação do TRF da 2ª Região no prazo de 6 meses previsto na Constituição.
 
A solução foi o atual prédio que era do IBC e subutilizado. O meu colega Clelio Erthal, sempre responsável pelas obras, foi indispensável para que cumpríssemos aquele prazo.
 
Quando estava na presidência do TRF consegui a cessão do prédio da Avenida Venezuela, que foi reformado pela Caixa Econômica Federal, depois de inúmeras tratativas, tendo o Dr. André Koslowski, então Diretor do Foro, providenciado imediatamente as licitações para que novas Varas fossem instaladas mais rapidamente.
 
Instalei dezenas de Varas na capital e no interior que estavam criadas por lei e as que vieram a ser criadas, de maneira que tivemos que titularizar juízes antes do prazo de vitaliciamento.
 
 
7) Na opinião da senhora, é possível conciliar a atividade profissional, acadêmica e familiar?
 
Assumi a função de juíza com dois filhos pequenos e sempre consegui conciliar o exercício da judicatura com a vida familiar. Na minha época, não era comum os maridos assumirem a participação na vida doméstica. O meu foi uma exceção e sempre me apoiou nas minhas decisões, da mesma forma que eu sempre o apoiei. Algumas colegas minhas tiveram dificuldade em estudar para o concurso e exercer a profissão, quando os maridos não aceitavam que elas tivesse uma posição de destaque. Claro que temos que ser mais organizadas e práticas para que tudo funcione.
 
Quanto à vida acadêmica  acho que já fica um pouco mais difícil, tanto para homens ou mulheres, a não ser para aqueles extremamente vocacionados, mas que abrem mão parcialmente da vida familiar ou social.
 
 
8) O que a senhora sonha enquanto mulher magistrada?
 
Sempre fui inteiramente realizada como magistrada, apesar dos percalços econômicos e das dificuldades de verbas, que já éramos problemas desde aquela época.
 
Recebia as partes em meu gabinete que, por vezes, explicavam melhor os fatos do que seus advogados. Decidi me aposentar voluntariamente antes da compulsória e não retornar à advocacia, apesar de inúmeros convites.
 
Creio que chega a hora em que queremos mais tempo para a vida privada e para atividades que ficavam em segundo plano enquanto diante do exercício da função de juíza.
 
 
9) Qual a mensagem a senhora pode deixar para as mulheres que sonham ou já sonharam em seguir a carreira?
 
Continuem sonhando e batalhando para que esse sonho se torne realidade. Nunca desistam de seus sonhos.
 
 
10) Deixe alguma mensagem ou fale sobre algo que acredite que não tenha sido contemplado nas perguntas anteriores.
 
Exerci a Direção do Foro por 3 anos, a Corregedoria e a Presidência do TRF da 2ª Região. Na Corregedoria, fui severa na investigação de colegas acusados de atos incompatíveis com a função judicante. Por outro lado, procurei ouvir as reclamações dos juízes diante de dificuldades encontradas e quais as soluções que apresentavam. Várias foram transformadas em atos da Corregedoria. Quem está diante do problema concreto sempre oferece as melhores alternativas para contorná-lo.
 
Creio que a Direção do Foro e a Presidência do Tribunal envolvem basicamente atos de Administração. Quem exerce tais funções deixa de lado o que sabe fazer, julgar processos, para tomar decisões em áreas que nem sempre domina bem, como obras, transformações de cargos, etc. Por vezes um excelente juiz não é um excelente Presidente ou Diretor do Foro. Além disso, ainda são responsáveis perante o TCU pelas despesas ocorridas na sua gestão. São questões que podem ser objeto de reflexão para o futuro.

Ajufe Mulheres