O Projeto “Conhecendo as Juízas Federais” traz ao público uma imagem de quem são as juízas federais e ajuda a saber como elas percebem a carreira quando se trata de questões de gênero. As histórias são contadas por meio entrevistas com as magistradas federais.

Conhecendo as Juízas Federais #20 – Inês Virgínia

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O projeto “Conhecendo as Juízas Federais”, da Comissão Ajufe Mulheres, segue destacando a atuação das magistradas federais e o que mudou em suas rotinas durante o período de isolamento social, provocado pela Covid-19. ⁠Nesta edição, confira a entrevista com a desembargadora federal Inês Virgínia Prado Soares

Inês está na Magistratura Federal desde março de 2018, quando ingressou no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), pelo quinto constitucional, na vaga destinada ao Ministério Público Federal. A magistrada foi membro do MPF de 1997 a 2018, tendo sido procuradora da república até 2012, ano em que foi promovida ao cargo de procuradora regional da república, que exerceu até chegar ao TRF3.

Enquanto magistrada, Inês Virgínia menciona casos desafiadores, como a relatoria de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) sobre questão previdenciária e a participação na edição da Resolução 348/2020 do CNJ, que visa a proteção das pessoas do grupo LGBTQIA+ que estão encarceradas.

Alto astral e sempre com sorriso no rosto, a desembargadora conta que “as expectativas em torno da postura das juízas, pelo simples fato de serem mulheres” é algo que a incomoda e que considera uma “dificuldade” ou um agravamento especial para sua atuação profissional.  “Embora eu seja muito séria e comprometida com meu trabalho, sou alegre e mais informal, tanto no trato com as pessoas como no modo de vestir. Essas características, que geralmente beneficiam os homens, podem ser mal vistas para mulheres”, explica. 

A desembargadora conta, ainda, que no início da pandemia da Covid-19, enquanto se adaptava à rotina imposta pelo novo coronavírus, “o grande desafio foi fazer isso de uma forma generosa, prestando atenção às dificuldades e necessidades dos servidores lotados em meu gabinete”. As sessões tornaram-se, quase que em sua totalidade, virtuais.

Leia a entrevista completa.

1) Onde a senhora começou e exerceu a sua jurisdição? 

Eu comecei e estou no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no cargo de desembargadora federal. Entrei na magistratura em março de 2018, pelo quinto constitucional, na vaga destinada ao Ministério Público Federal. De 1997 a 2018 fui membro do MPF - fui procuradora da república até 2012, quando tive a honra de ser promovida por merecimento ao cargo de procuradora regional da república, que exerci até ir para o TRF3.

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2) Quais foram as suas atuações mais relevantes? 

Tenho pouco tempo de magistrada e, nesses primeiros anos, minha preocupação foi de acertar muito e errar pouco. Não sei se tive algum trabalho relevante. Nem tenho a ambição de ser conhecida ou reconhecida por casos emblemáticos. Prefiro o trivial, o comum, o que tem de ser feito cotidianamente para uma boa prestação jurisdicional. 

Se for para mencionar o mais desafiador e que me exigiu maior dedicação e preparo, cito a relatoria de um IRDR que versa sobre questão previdenciária e que foi julgado em janeiro de 2021 pela Terceira Seção do TRF3. A minha participação na edição da Resolução 348/2020 do CNJ, que visa a proteção das pessoas do grupo LGBTQ+ que estão encarceradas, é um trabalho que me orgulha. 

Por fim, acredito que tem sido importante a contribuição que dou como membro da Comissão de Equidade De Gênero do TRF3 e da diretoria da Escola de Magistrados-TRF3. Trata-se de um trabalho coletivo e muito enriquecedor, no qual estamos conseguindo ver uma repercussão positiva para o debate qualificado sobre a igualdade de gênero no Judiciário e sobre a efetividade dos direitos humanos.

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3) Quais as dificuldades que a senhora já enfrentou? Houve alguma dificuldade ou agravamento especial na profissão por ser mulher?

Jacques Derrida tem uma passagem sobre o perdão (só se perdoa o imperdoável, porque o restante já está perdoado), que acho genial e que vou adaptar para responder à esta pergunta: as dificuldades que lembramos são as insuperáveis, porque as que superamos já não nos parecem tão difíceis assim. 

Neste sentido, apesar das inúmeras e cotidianas dificuldades, não tenho nenhuma que mereça ser reportada aqui. Mas reconheço a existência de um machismo estrutural no Judiciário e que há desafios diários enfrentados pelo fato de ser mulher. Acrescento que também sou nordestina e trabalho em São Paulo, o que aumenta o leque de preconceito e de expectativas em relação a meu modo de ser, falar, expressar e até em relação a meu preparo intelectual. 

Aliás, as expectativas em torno da postura das juízas, pelo simples fato de serem mulheres, é algo que me incomoda e que considero uma “dificuldade” ou um agravamento especial para minha atuação profissional, pois embora eu seja muito séria e comprometida com meu trabalho, sou alegre e mais informal, tanto no trato com as pessoas como no modo de vestir. Essas características, que geralmente beneficiam os homens, podem ser mal vistas para mulheres. 

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4) O ano de 2020 foi marcado pelo início da pandemia de Covid-19, acarretando e acelerando diversas alterações na rotina de trabalho em todas áreas. Nesse contexto, quais os desafios que a senhora enfrentou para se adaptar a essa nova realidade, seja na rotina doméstica ou na prestação jurisdicional?

Na prestação jurisdicional, tivemos que nos adaptar à rotina do mundo virtual e o grande desafio foi fazer isso de uma forma generosa, prestando atenção às dificuldades e necessidades dos servidores lotados em meu gabinete. 

As sessões presenciais na modalidade virtual logo viraram uma realidade e foram (ainda são) fáceis. 

Tivemos de realizar uma audiência pública para instrução do IRDR e a sua organização, entre abril e maio do ano passado, primeiros meses de pandemia, exigiu bastante criatividade para conciliar a ampla participação dos interessados no debate da tese e as formalidades processuais com o uso das tecnologias.

Mas confesso que estou ansiosa para voltar à modalidade presencial, para conversar olhando no olho, tomar cafés com os amigos e dar boas risadas. 

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5) Tendo vindo de uma longa carreira no Ministério Público Federal, alguma coisa a surpreendeu, ao ingressar na magistratura? Percebe alguma diferença relevante no que diz respeito às questões de gênero e à condição feminina nas duas instituições?

Sim! São instituições totalmente diferentes. O MPF é uma instituição que teve de se reinventar após a Constituição de 1988 e é mais aberta ao diálogo entre pares. Há disputa e eleição para exercício de funções administrativas e institucionais, da qual todos podem participar como candidatos, sem exigência do critério de antiguidade. Além disso, os procuradores da república, muitas vezes, por necessidade de trabalho mesmo, precisam conversar e chegar a um consenso. Há um grande espaço para atuação conjunta e a responsabilidade pelo resultado do trabalho é compartilhada entre o grupo. 

No Judiciário, a tarefa de decidir é muito solitária, assim como a responsabilidade pela gestão do gabinete e pela entrega da prestação jurisdicional. Para completar, as relações na magistratura são hierarquizadas, com grande valorização do critério de antiguidade e com um distanciamento entre juízes de primeiro grau e desembargadores. Há expectativa de que a postura dos membros da magistratura tenha características ligadas ao gênero masculino: firmeza, rigor, etc. Esses traços são refletidos inclusive no imaginário social sobre a figura de um membro do judiciário: um homem de terno e gravata. 

Na perspectiva de igualdade entre gêneros, as características do MPF - de diálogo, de possibilidade de disputa eletiva por funções e de atuação conjunta - certamente favorece as mulheres. No MPF, a competição e a ambição para exercer certas atribuições é vista com naturalidade. Essa é uma diferença grande do ambiente do MPF em relação à magistratura. 

Até porque competir, disputar postos de poder ou mesmo se expor em espaços públicos são condutas para as quais as mulheres são pouco incentivadas ou até desincentivadas desde muito cedo, sendo algo cultural e socialmente difícil de romper. E as mulheres que optam por não competir nesse formato proposto (que, a meu ver, é pautado pelo masculino) ou por agir de uma forma que parece pouco ambiciosa não devem ser criticadas, mas sim apoiadas e respeitadas, tanto por outras mulheres, mas também pelos homens. 

6) Quais as suas aspirações enquanto magistrada federal? 

Me aposentar daqui a seis anos (risos)... e encerrar esse ciclo da vida com a sensação de dever cumprido. Quero sair com a mesma alegria e brilho nos olhos que tinha no primeiro dia de trabalho no TRF3. 

7) Como faz para conciliar as atividades profissional, acadêmica e a vida pessoal e familiar?

Minha família é meu porto seguro e meu lugar de acolhimento. Além disso, tenho amigas e amigos muito valiosos, que enchem minha vida de afeto. Aliás, meus relacionamentos afetivos são minha inspiração para as pesquisas acadêmicas que realizo, e também minha fonte de energia e a base para que eu exerça minha profissão com afinco e honestidade. 

Adoro pesquisar e escrever textos acadêmicos, assim como amo meu trabalho. Sou realizada como magistrada! Por isso, não desanimo, preservo o sorriso no rosto e procuro não sentir o peso do cansaço ou da responsabilidade do cargo que exerço, embora eu tenha plena consciência dessa responsabilidade e considere a tarefa de julgar algo dificílimo.

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8) Que conselho a senhora daria às mulheres que sonham com a carreira da magistratura federal?

Que sonhem alto; que sonhem sempre; que sonhem com paixão!!! E que se dediquem para transformar o sonho em realidade; e que façam do seu jeito, de acordo com sua verdade e com o que acreditam. Porque sonhar não basta. A vida é luta.

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