Por: Roberto Veloso, juiz federal, ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)
Publicado originalmente no Diário do Poder
Os Códigos Penal e Processual Penal brasileiros são de 1941, quando o Brasil vivia em outras condições. Tínhamos uma população aproximada de 40 milhões de habitantes, eminentemente rural. A industrialização era ainda incipiente. Apenas 31,2% moravam nos centros urbanos.
Naquela época, a preocupação do legislador era com os crimes praticados de forma individualizada, o homicídio, o furto, o roubo, o estupro. A única organização criminosa de vulto era o bando de Lampião e Maria Bonita. A comunicação era feita pelas ondas dos rádios, com poucos aparelhos espalhados pelo país.
Hoje, mais de 80% da população é urbana. Vive-se na era da globalização, com incremento tecnológico do sistema de produção e consumo transformando a realidade social, fazendo surgir novas condutas delituosas a merecerem a devida atenção no âmbito da legislação penal.
Nesse quadro, aparece a macrocriminalidade, efetivada por uma organização criminosa ou por uma empresa instituída para a prática de atos ilícitos. Isso não é privilégio das sociedades desenvolvidas, a exemplo da europeia ou americana. Não se pode esquecer que as mais graves transgressões às normas penais de proteção à atividade econômica financeira são praticadas nos países da América Latina, entre eles o Brasil.
Não é fácil se desvendar o crime praticado por essas organizações transnacionais. Essa atividade é efetivada, na maioria das vezes, sob a proteção de uma aparente legalidade. As organizações criminosas especializadas agem de uma maneira aparentemente lícita, com uma fachada que esconde a verdadeira identidade.
A macrodelinquência praticada por organizações criminosas movimenta enormes somas de recursos, como se pode verificar no comércio ilegal de entorpecentes. Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), o tráfico ilegal de entorpecentes produz uma receita anual próxima de 900 bilhões de dólares. Isso corresponde a 1,5% do PIB mundial.
É lógico que a complexidade da organização criminosa dificulta a investigação e a revelação das condutas lesivas, em razão da constante substituição das realidades de ação individual por outras, de caráter coletivo, de sorte que os responsáveis pelos fatos se diluem cada vez mais por meio de processos para os quais contribuem diversas pessoas, físicas ou jurídicas.
Dessa forma, uma legislação anacrônica não consegue enfrentar esse tipo de criminalidade. Apesar de ter havido um avanço legislativo, faz-se necessária uma modernização, que, sem dúvida, é o que pretende o Ministério da Justiça com o projeto de lei anticrime. Essa atualização é urgente, não pode demorar mais, porque enquanto não se tomam as providências, o crime continua a agir impunemente.
O progresso tecnológico continua a passos largos e a criminalidade cada vez mais se aproveita desses avanços para a prática de crimes. Veja-se o exemplo do Bitcoin, uma moeda virtual, hoje amplamente utilizada para a prática de infrações penais e lavagem de dinheiro. Antes dos agentes públicos, os criminosos utilizam o avanço da tecnologia em benefício de suas atividades.
A partir dessa ótica, é necessário dotar os agentes públicos encarregados da apuração e julgamento de tais organizações de instrumentos novos para o enfrentamento dessa atividade criminosa, com a modernização da legislação, a aquisição de equipamentos para os órgãos investigadores e a formação de pessoal adequada para a luta contra a prática delinquente organizada e transnacional.