Crônica “Sexta-feira de Carnaval”, de autoria do desembargador federal Edilson Pereira Nobre Júnior

    O desembargador federal Edilson Pereira Nobre Júnior, presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), assina a crônica “Sexta-feira de Carnaval”, texto que narra o dia do personagem Antônio João em São Paulo. Além de magistrado, Edilson é professor e recentemente foi eleito membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

    Leia a crônica:

    SEXTA-FEIRA DE CARNAVAL

    Tudo aparentava não terminar bem para Antônio João numa sexta-feira de carnaval em tempos finais de pandemia. À saída do flat que costumava hospedar-se em Sampa, o moço do I Food, ao vê-lo no seu blazer claro, comprado em Milão, disse-lhe: “Ei, velhinho, isso deve fazer muito calor”.

    Ao chegar com o Uber na entrada do edifício de Vera, uma mulher a quem a passagem do tempo insistiu em resistir, veio outro contratempo. Os costumes parisienses da dama fizeram com que se revelasse afrontosa a tentativa de conduzi-la em tão ignóbil meio de transporte, ainda que fosse para um almoço com vinho no Mondo, paço gourmet sito no cruzamento entre a Oscar Freire e a Estados Unidos. Chateado, resolveu curtir uma solidão gastronômica no “Galeto do Aurélio”, trocando o seu Médoc por três chopes gelados pelo preço de dois.

    O resto da tarde foi dedicado à espera no consultório médico, para ao final escutar a necessidade de realizar um regime alimentar senão passaria gradativamente a sofrer restrições em sua liberdade de locomoção.

    Ao cair da noite veio uma tromba d’água, anunciando uma mudança de rumo. Dito e feito. O retorno ao flat foi de Uber, mas o gosto musical do condutor lhe reservou momentos de suavidade para que pudesse lidar com o engarrafamento no trânsito, o que sucedeu através de um excelente repertório de tango com a interpretação de AstorPiazzola.

    Já no flat, ao passar pela recepção, o conciérge lhe entregou um envelope, o qual, após aberto, continha um cartão, com a seguinte mensagem: “Gostaria de estrear o meu baby doll rosa com vc esta noite”. Maria Augusta, apto. 903. Em seguida, um P.S. irresistível: “Não precisa trazer taças ou vinho, a não ser que um Malbec El Enemigo não lhe agrade. Aí se lembrou e constatou que se tratava de uma jovem que, nos seus trinta e alguns anos, mantinha-se equidistante entre a inocência e a dissimulação, com a qual chegou várias vezes a conversar durante o café da manhã quando das suas estadas anteriores.

    Antes de subir, Antônio João tratou de fazer justiça, avaliando o condutor do Uber com a nota máxima, além de uma polpuda e merecida gorjeta, pois, como leu algum dia e em algum lugar, a vida é um tango.

    P.S.: Afinal, Antônio João existe? Há controvérsias. Até o momento a versão mais crível é a de que se tratava de um personagem imaginário, feito para relembrar Rubem Braga (O crime (de plágio) perfeito. In: Crônicas para jovens. São Paulo: Global Editora, 2014) quando, a pretexto de escrever crônicas em O Diário de São Paulo, se apropriara de pseudônimo com o qual Drummond escrevia para o Minas Gerais, órgão da imprensa oficial mineira.

    Edilson Pereira Nobre Júnior

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