Artigo escrito pelo ex-presidente da Ajufe, juiz federal Gabriel Wedy, e pela desembargadora federal do TRF3, Inês Soares, para a Folha de S. Paulo.
Além de entes estatais, grandes emissores podem ser acionados judicialmente
O desastre climático ocorrido no Rio Grande do Sul exigirá, em breve, a discussão sobre medidas para reparação dos danos materiais e morais causados.
No ano de 2015, relatório da Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul e do governo da França já apontava que as chuvas, dentro de poucos anos, aumentariam entre 5% e 10% em território gaúcho. O atual desastre confirma que os entes estatais nada ou pouco fizeram desde o referido estudo —aliás, foi aprovado em 2020 um novo Código Estadual Ambiental profundamente desidratado em matéria de tutela do meio ambiente.
É possível discutir se seria justo a União, o estado e os municípios sucateados arcarem integralmente com a reparação civil dos seus cidadãos, do meio ambiente e das estruturas públicas e privadas danificadas e destruídas pelo temporal —e, com isso, os contribuintes arcarem duas vezes por ações e omissões estatais, sendo que a origem do aquecimento global tem como os maiores responsáveis as indústrias do petróleo e do carvão e, no plano geopolítico, a China e os Estados Unidos, como os maiores emissores.
Há exemplos ao redor do mundo. O caso Dutch Shell é um "leading case", julgado em maio de 2021, no qual o poder judiciário holandês emitiu decisão para que a Royal Dutch Shell acelerasse o seu objetivo de redução das emissões de carbono.
Em janeiro de 2023, a Colômbia e o Chile ingressaram na Corte Interamericana de Direitos Humanos com um Pedido de Parecer Consultivo sobre Emergência Climática e Direitos Humanos. Em sua justificativa para a provocação à corte interamericana, os Estados requerentes justificaram que "os efeitos da mudança climática não são experimentados de maneira uniforme na comunidade internacional. De fato, eles já estão sendo sentidos por parte das comunidades mais vulneráveis em razão de sua geografia, condições climáticas, socioeconômicas e infraestrutura, incluindo vários países das Américas". Esse procedimento está em andamento.
No caso do RS, embora União, estado e municípios possam, em tese, ser responsabilizados por questão de justiça climática, seria importante se houvesse um amadurecimento na análise sobre a conveniência de ajuizamento de demandas climáticas em defesa do povo gaúcho. Essas demandas colocariam nos bancos dos réus indústrias do petróleo, do carvão e grandes emissores de gases de efeito estufa, além de envolver os países que abrigam essas indústrias em seus territórios.
Há aporte teórico e experiências em cortes estrangeiras para embasar ações judiciais dessa natureza. Não é mais aceitável a irresponsabilidade climática de alguns países, que assumem posições contraditórias e contrárias ao Acordo de Paris e que violam os direitos humanos de pessoas que vivem em nações que não causam desequilíbrio climático relevante, mas sofrem com desastres devastadores.
Artigo escrito pelo ex-presidente da Ajufe, juiz federal Gabriel Wedy, e pela desembargadora federal do TRF3, Inês Soares, e publicado originalmente pela Folha de S. Paulo.