O Brasil vive um momento de grande incerteza e apreensão. A poucos meses da eleição presidencial, há grande expectativa quanto ao modelo de política econômica e social que pautará a nossa sociedade a partir de 2019, mas até o momento nenhum sinal concreto nos permite estabelecer uma mínima projeção do futuro.
Eric Hosbsbawm classificou o Século XX como era a Era dos Extremos. Da era da catástrofe, que se estendeu de 1914 a II Guerra Mundial, seguiram-se cerca de 30 anos de extraordinário crescimento econômico e transformação social, anos que, segundo o historiador, “provavelmente mudaram de maneira mais profunda a sociedade humana que qualquer outro período”.
Uso essa referência do historiador marxista britânico para traçar um paralelo com a situação brasileira nos últimos 10 anos.
Com uma foto do Cristo Redentor subindo como um foguete, a revista britânica The Economist, em novembro de 2009, dizia que o "Brasil decolava e deveria se tornar a quinta maior economia do mundo em uma década após 2014, ultrapassando o Reino Unido e a França.”
Parecia que o Brasil havia entrado no cenário mundial repentinamente. Sua chegada foi marcada simbolicamente pela escolha do Rio de Janeiro para as Olimpíadas de 2016, dois anos depois de o país ser definido como sede da Copa do Mundo de 2014.
Mas a reportagem fazia um alerta: “assim como seria um erro subestimar o novo Brasil, também seria um erro enorme encobrir suas fraquezas, especialmente o crescimento acelerado dos gastos públicos, os baixos números de investimentos, a violência, e problemas na educação e infraestrutura”.
Hoje, sabemos onde chegamos. A alegria efêmera de sediar a Copa do Mundo em 2014 foi trocada pela lembrança eterna do 7x1 para a Alemanha, sem falar das suspeitas de superfaturamento nas obras dos estádios e de infraestrutura. Já o orgulho do Rio de Janeiro em receber as Olimpíadas em 2016 foi substituído pela vergonha da possível fraude no processo de escolha, envolvendo autoridades brasileiras e estrangeiras. A referência à maravilhosa cidade do Rio de Janeiro cedeu lugar as investigações por corrupção eà intervenção federal.
Vivemos nesses últimos 10 anos a nossa Era dos Extremos. Fomos do céu ao inferno, praticamente.
Muitas são as causas do fracasso nacional. Não pretendo aqui, até porque talvez não tenha a competência necessária, fazer uma análise política, econômica e social das razões que nos conduziram a essa crise sem precedentes.
O que posso dizer é que apesar de todos os problemas que estamos enfrentando, em pelo menos um ponto avançamos. O professor Eduardo Giannetti, em entrevista recente, observou que no Brasil as últimas décadas têm sido marcadas por pautas temáticas: os anos 80 foram caracterizados pela luta pela redemocratização do país; os anos 90, pelo combate à inflação e pela busca da estabilidade econômica; a partir de 2000, tivemos uma maior preocupação com a inclusão social e o combate às desigualdades. Já a atual década está sendo marcada pela Operação Lava-Jato, que simbolicamente representou uma ruptura de um modelo de Estado, baseado, de um lado, nas palavras do professor Giannetti “no patronato político que usa o poder para nele se perpetuar, como se o poder fosse um patrimônio, isso valendo para todos os grupos políticos que estiveram à frente do país e, de outro, um segmento muito relevante do setor privado, do empresariado brasileiro, que em vez de buscar o crescimento de seus negócios no mercado, criando valor pela inovação e pela eficiência, buscou crescer por meio de acesso privilegiado a governantes, num jogo de caça às rendas. Duas empresas brasileiras colocaram o Estado brasileiro nas suas folhas de pagamentos. A aliança desses dois grupos constitui o estado patrimonialista no Brasil. A Lava Jato escancarou essa realidade, e os grãos de areia estão caindo nessa torre de poder”.
Essa percepção do fenômeno também não é só nossa. Para os brasileiros que não veem nada de positivo da realidade atual do país, o economista americano Robert Klitgaard, considerado um dos maiores especialistas no estudo da corrupção nos dá um alento, dizendo que temos motivo de sobra para nos orgulharmos. Avançamos no combate a corrupção, mas há muito ainda a fazer, pois temos um sistema de monopólio econômico e decisório com pouca prestação de conta dos governos. Essa equação precisa ser corrigida, o que pode ser feita de duas maneiras segundo o economista: “fritar os peixes graúdos é bom mas não é suficiente; falta diagnosticar os sistemas corruptos e trabalhar com o setor privado para repará-los”.
É verdade que o Estado brasileiro hoje é visto como pesado, ineficiente, traduzindo-se num modelo que cobra muito da sociedade sem lhe dar a necessária contrapartida em educação, saúde, segurança e serviços públicos de uma forma geral.
Mas, é verdade também que o nosso setor privado precisa fazer uma autocrítica: cobra muito da ineficiência estatal, da complexidade do nosso sistema tributário, da intervenção e do agigantamento do Estado, mas setores fortes da economia estão sempre em busca da reserva de mercado, de regimes fiscais especiais, de subsídios, de isenção tributária, de tarifa contra importação, de parcelamento e perdão de dívidas fiscais e de crédito barato no BNDES. Como não há almoço grátis, é evidente que essa conta é paga, sob a forma de pesados impostos, por toda a sociedade.
É necessário avançar de forma ordenada e urgente. Precisamos de uma agenda político-econômica que ao mesmo tempo torne o país amigável para os negócios, com previsão legal e regulatória, segurança jurídica e que possa garantir condições mínimas de uma vida digna para o povo brasileiro.
E o Poder Judiciário tem de assumir papel fundamental e estratégico na construção dessa nova agenda: não há possibilidade de avançarmos em nosso estágio civilizatório sem a presença de instituições fortes, sem respeito ao devido processo legal e sem a garantia da segurança jurídica.
Mas para isso precisamos de uma Magistratura forte e respeitada.
A Valorização e a Independência da Magistratura Federal são os objetivos principais que buscaremos alcançar, implementar e garantir nos próximos dois anos de administração da AJUFE.
A Valorização da Magistratura Federal passa pela efetivação de direitos e prerrogativas previstas na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Magistratura. Passa pela adoção de uma política remuneratória adequada que atenda de modo uniforme os juízes em atividade e os aposentados. Passa pela adoção de um sistema previdenciário único que garanta o tratamento igualitário aos Magistrados que se aposentarem, o que não acontece no sistema atual em que há pluralidade de regimes. Passa pela recuperação do sentido de carreira que se perdeu com reforma do Judiciário, provocando o desestímulo interno e o sentimento de injustiça com o fim da progressão funcional. Passa também pela democratização do Poder Judiciário, de modo que se permita que a vontade dos Magistrados Federais seja ouvida na escolha de seus dirigentes e na conformação das políticas públicas do Poder Judiciário. Passa também pela ampliação do acesso à justiça. Passa pela preocupação de tratamento adequado do trabalho das Magistradas Federais.
A Independência da atividade judicial é pressuposto para a existência de um Poder livre e um Estado Democrático de Direito. Se um juiz puder se investigado ou punido em razão de ter apenas exercido o seu papel constitucional de aplicar a lei e distribuir justiça aos casos que lhe são submetidos, a arbitrariedade terá derrotado todo o Poder Judiciário. Por essa razão, o tema da Independência Judicial se torna cada dia mais importante para os nossos associados. A atuação firme dos Magistrados Federais tem provocado o fenômeno já ocorrido em outros países nos quais o Poder Judiciário passou a ter protagonismo na vida política: percebemos a reação daqueles que, até pouco tempo, não eram alcançados pelo sistema de justiça e ,por isso, buscam, por meio de alterações legislativas, criar mecanismo de intimidação que mitiguem a independência funcional dos juízes, com o escopo de restringir a atuação jurisdicional. O Magistrado, para exercer seu trabalho com serenidade, não pode se sentir pressionado ou coagido pela ameaça de um processo correicional ou criminal em razão de prática de um ato jurisdicional. Não há Estado Democrático de Direito sem que exista uma Magistratura Independente, instituições fortes e uma imprensa livre. Não podemos e não vamos admitir qualquer alteração legislativa ou estrutural do Poder Judiciário que enfraqueça a independência dos magistrados federais brasileiros. A Ajufe, na minha presidência, vai atuar de forma vigilante e intransigente na defesa dos magistrados federais. Não vamos admitir qualquer tipo de ameaça ou intimidação de quem quer que seja.
Na semanada passada, o jornal O Estado de São Paulo publicou um artigo de minha autoria em que defendi a necessidade de o Supremo Tribunal julgar a ADI Nº 5017, que vai definir a constitucionalidade de criação dos novos Tribunais Regionais Federais, isso como forma de romper o ciclo de engessamento institucional da Justiça Federal. Observei que ainda que não esteja atuando na seara regulatória, a Corte dará um efetivo empurrão para que o problema seja resolvido de forma adequada, o que se dará a partir de diálogo entre o Poder Judiciário Federal e o Congresso Nacional.
Ao defender essa ideia, tomei por base as lições de Richard H. Thaler, prêmio Nobel de Economia em 2017, que em seus estudos sobre economia comportamental, cunhou o termo “nudge” (empurrão) justamente para explicar determinados fenômenos econômicos e regulatórios.
Vou utilizar mais uma vez esse conceito. A ideia do “nudge” é a de que você pode colocar alguém na direção correta, sem forçá-lo a fazer nada. Para Thaler, o GPS seria uma boa analogia para o que seja “nudge”: ajuda as pessoas a chegarem a seus destinos impedindo-as de tomar direções erradas.
O Judiciário tem de assumir esse papel. Ser o GPS da sociedade brasileira, dando a orientação necessária para que alcance o seu desenvolvimento político, econômico e social. Uma espécie de bússola que indique o caminho da institucionalidade e da segurança jurídica, impedindo que rotas alternativas ao cumprimento da Constituição Federal, que este completa 30 anos, sejam tomadas, evitando estradas sinuosas, esburacadas ou precipícios.
É tempo de encerrar este discurso. Mas não antes de fazer alguns registros e agradecimentos. A eleição da diretoria da AJUFE é o resultado de um trabalho de união entre os magistrados federais. Vários associados trabalharam muito para que isso se tornasse realidade. Peço licença para homenageá-los citando nominalmente os Presidentes Roberto Veloso, Antônio César Bochenek, Nino Toldo, Paulo Sérgio Domingues, Jorge Antonio Maurique, Vilson Darós, Vladimir Passos, Edgard Silveira, e Fernando Mattos, a quem agora, como muita honra, me vejo na condição de sucedê-los. Assumir a Presidência da AJUFE é, ao mesmo tempo, uma enorme honra e uma gigantesca responsabilidade. Tenho as minhas limitações, mas sempre procurarei fazer o meu máximo para bem representar os associados que construíram esses 45 anos de história da AJUFE. Mas se o desafio é enorme, o conforto que tenho é de saber que ao meu lado terei colegas imbuídos do mesmo espírito público de se envolver na atividade associativa com o único propósito de trabalhar para o aperfeiçoamento das instituições.
Aos colegas diretores que estão e estarão comigo nessa jornada, e que vão dedicar parcelas significativas de seu tempo para a causa comum da magistratura, o nosso trabalho e a nossa união é que nos permitirão fielmente cumprir o mandato que nos foi outorgado. Fomos eleitos, mas a cada dia a nossa atuação é que legitimará a nossa escolha.
Uma saudação especial também a todos meus familiares, irmão, tios, tias e sobrinha, o que faço nas pessoas do meu pai, Déde, e de minha mãe, Silvia, que ficaram em São Roque, mas que estão felizes porque têm a plena consciência de que me deram a base necessária para que eu perseguisse esse caminho pessoal e profissional.
E como não poderia deixar de ser, uma saudação mais que especial, a minha esposa, companheira e amiga, Renata. Estamos juntos há 22 anos e construímos sozinhos a nossa própria história. Sei que desde 2010, quando me promovi para Coxim-MS, que fica a mais de 1200 km de SP, nossa rotina mudou bastante porque passou a envolver viagens semanais. Coxim, Itapeva... Quando você achava que eu ia ter um pouco mais de tempo para ficarmos juntos, assumi a presidência da AJUFESP. Agora o desafio é ainda maior. Tenha um pouco mais de paciência, Loirinha. Saiba que tudo isso que faço só é possível porque que tenho você ao meu lado. Te amo!
O cenário é difícil e incerto e os problemas são grandes. Temos um grande desafio pela frente e uma grande responsabilidade enorme ao falarmos em nome da Magistratura Federal. Mas sou otimista e acredito que conseguiremos avançar como sociedade, o que vai ser feito com o trabalho conjunto de todos nós, pois, como dizia Mandela, as coisas parecem impossíveis até que sejam feitas. E elas serão!
Obrigado!