Ajufe realiza prévia virtual da 3ª edição do FONADIRH

    Nesta quinta-feira (17), a Ajufe realizou a prévia de seu 3º Fórum Nacional de Direitos Humanos, em formato virtual, em virtude da pandemia de Covid-19. Na abertura, o presidente da Ajufe, Eduardo André Brandão, salientou a importância do fórum.

    “Os desafios do Poder Judiciário, com relação a todos os temas, mais especialmente os ligados à segurança pública, aumentaram demais desde o início da pandemia. Se já tínhamos o problema da violência banal nas ruas, principalmente nas grandes cidades, nos sinais de trânsitos, dos roubos de bicicletas e celulares com o emprego de violência, passamos a ter uma população mais pobre, com limitações sanitárias e mais violência doméstica”, destacou Brandão. Diante disso, o magistrado afirma que o “FONADIRH tem esse desafio-pretensão de identificar como sociedade civil e Judiciário podem dialogar para que avancemos como sociedade e nação”.

    Em sua fala, o ministro Edson Fachin (STF) fez um panorama sobre “Segurança pública, Constituição e Direitos Fundamentais: Interações entre sociedade civil e Poder Judiciário”, o tema do fórum. O ministro ressaltou que para “combater o racismo e exigir a igualdade, que está ainda longe de ser realizada nesse país, é fundamental que juízes, saibamos avaliar os déficits institucionais que bloqueiam os direitos fundamentais”. E continuou: “Apesar de extremamente avançadas e atentas aos direitos e garantias fundamentais, as instituições que ganharam competência para realizá-lo, à exceção talvez do Ministério Público, são na verdade as mesmas que formalmente funcionavam no período autoritário anterior”.

    O ministro apontou ainda que “as polícias são, a rigor, as mesmas, inclusive os mesmos são os seus regimentos disciplinares. O Judiciário, o Executivo e Legislativo são os mesmos, como também o são os entes da federação. Para usar a metáfora de Gargarella, a casa de máquinas [da Constituição] ainda é a mesma. Direitos novos, protegidos por instituições não tão modernas, demandam um permanente atualizar de regras”, finalizou.

    No mesmo sentido, o ministro Rogerio Schietti (STJ) relembrou da histórica decisão do STF, de relatoria do ministro Edson Fachin, sobre o direito à vida dos moradores de comunidades (ADPF 635). “Logo quando veio a liminar, em junho do ano passado [2020], ao meu sentir foi a decisão mais importante da história do Supremo Tribunal Federal no tema de Direitos Humanos. O que importou corajosamente um marco traduzido em um basta, basta de violações sistemáticas a um dos direitos mais comezinhos daqueles que residem nas comunidades e favelas do Rio de Janeiro”, lembrou.

    Em sua manifestação, a juíza federal e professora da PUC-Rio Adriana Cruz também comentou a decisão do ministro Fachin. “Eu vi a decisão do ministro Fachin com um impacto muito especial, porque, ministro, é uma situação muito particular ocupar o espaço de poder que eu ocupo, de compartilhar – e me dirijo também aos meus colegas – a judicatura com pessoas que foram forjadas e foram criadas na lógica de reproduzir práticas racistas, discriminatórias e violadoras de direito. O nosso desafio, constante e diário, é nos desconstruir, desformatar as nossas mentes, para aquilo que fomos todos desenhados e pensados, de que há um lugar específico para pessoas negras, um lugar naturalizado, um lugar de subalternação e de serviço”, comentou a magistrada.

    A professora e advogada Caroline Bispo iniciou seu discurso reforçando que as pessoas negras apenas querem ser ouvidas, a partir de suas próprias perspectivas. E trouxe à discussão uma perspectiva a partir de sua própria história. “Não é normal que eu seja a única pessoa formada dentro da minha família. Não é normal que a primeira vez que eu entrei dentro da OAB, que é a casa do povo, foi depois de estar formada para pegar minha carteira. Não é normal um policial, hoje, me dar boa noite por morar na Zona Sul [do Rio de Janeiro]. Essas anormalidades e essas normalidades só vão ser vistas e analisadas a partir do momento que deixarem o ‘lixo falar’”, enfatizou.

    A referência do termo “lixo falar” é uma alusão a um trecho da intelectual Lélia Gonzalez, citado pela juíza federal Adriana Cruz durante sua fala, que diz “O risco que assumimos aqui é o ato de falar com todas as implicações, exatamente porque temos sido falados, infantilizados (infans, é aquele que não tem fala própria, é a criança que se fala na terceira pessoa, porque falada pelos adultos), que neste trabalho assumimos nossa própria fala. Ou seja, o lixo vai falar, e numa boa.”

    “É essa a disfunção maior sobre ‘vidas negras importam’. Vidas negras importam todos os dias, não só quando elas são tombadas ao chão. Vidas negras importam quando na Maré [comunidade do Rio], por exemplo, um jovem entre os anos 2016 e 2019 teve 89 dias de aulas suspensas por conta das operações policiais. Vidas negras importam quando aquela mulher, empregada doméstica, por exemplo, não pode faltar ao trabalho dela, mesmo à base de tiro, porque o patrão dela da Zona Sul não entende essa perspectiva, esse olhar. Hoje, morando na Zona Sul, eu consegui entender a dificuldade das pessoas em entenderem isso”.

    O professor e advogado Daniel Sarmento foi o último palestrante da noite. “A premissa geral é de que nós vivemos em um Estado de Exceção Permanente, no tema da segurança pública no Brasil. O país atravessa uma grave crise democrática, mas esse nosso problema de segurança pública não é apenas uma crise. A palavra crise denota um mal agudo, isso é um problema crônico, que se arrasta há séculos e é uma seara que os ventos democráticos da Constituição infelizmente sopraram muito pouco”. E continua. “À margem disso, não há dúvidas de que o campo da segurança pública tem que estar permeado pelos valores democráticos da Constituição, que notadamente tem como limite o respeito aos direitos fundamentais”.

    O evento foi mediado pelas juízas federais Clara Mota, secretária-geral da Ajufe, e Letícia de Santis Mello.

    Assista à prévia do III FONADIRH:

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