Artigo publicado originalmente no portal Diário do Poder.
Após uma carreira de sucesso nas passarelas, a modelo passa a ser apresentadora de programa de televisão. Em razão da simpatia e beleza, adquire milhares de seguidores nas redes sociais. Um deles, jovem ainda, passa a ter um amor platônico e doentio pela ex-modelo. Ele começa a declarar o seu sentimento nas páginas dos aplicativos, mas ninguém imaginava que um dia o rapaz pudesse levar ao extremo a sua paixão doentia, evidentemente não correspondida.
Certa manhã, sabendo que a apresentadora estaria na capital de seu estado, arma-se de um revólver e sai da sua cidade do interior para tentar, a todo custo, encontrar a sua idolatrada. Hospeda-se no hotel onde a ex-modelo está instalada e, no corredor do quarto, coloca o revólver na cabeça do cunhado da artista e o faz abrir a porta. Dentro do quarto estão a apresentadora, o cunhado e a esposa dele.
O suposto fã começa a aterrorizar e ameaçar a todos, apontando a arma, falando palavras desconexas e dizendo que faria roleta russa com os reféns. O cunhado, único homem na cena do crime, inicia uma luta corporal com o jovem e, durante a disputa, consegue tomar-lhe o revólver e desfere três tiros contra a cabeça do agressor.
Inicialmente, o cunhado é aclamado como herói pela opinião pública até que, para surpresa geral, é denunciado pelo promotor pela prática do crime de homicídio doloso, cuja pena máxima é de 20 anos de reclusão. As pessoas ficaram atônitas diante de tamanha injustiça. Quem tinha sido herói agora estava ameaçado de amargar muitos anos de cadeia.
É para evitar esse tipo de situação – acusações contra pessoas que agem para salvar a própria vida ou de terceiros – que o ministro Sérgio Moro propõe uma regra para impedir denúncias e condenações de cidadãos que, vítimas de agressões injustas, não tem condições de contar, nas circunstâncias, como se fosse um computador, a quantidade de tiros para se livrar de um ensandecido.
O professor Alberto Tavares escreveu ao defender um agropecuarista acusado de homicídio: “Há de ser levado em conta o inevitável furacão emocional que tolda a razão de quem, surpreendido pela subtaneidade de agressão injusta, depara-se com o dilema de matar ou morrer, ao sopro do mais forte dos instintos: o instinto de conservação.”.
Lemos Sobrinho, saudoso penalista brasileiro, diz que não se pode exigir o sangue frio necessário de um homem repentinamente atacado para, a título de exemplo, administrar uma arma de fogo como a pistola ou o revólver, de modo a medir e calcular os disparos e seus efeitos.
A regra apresentada é necessária, mesmo que a redação tenha sofrido tantas críticas, porém o aprimoramento redacional é possível, seja na proposta definitiva a ser enviada ou na discussão e aprovação do projeto no parlamento. O que não pode e nem deve acontecer é mandar para a cadeia o que se encontra em situação de iminente risco de morte, em razão de não ter podido, nas circunstâncias, calcular a reação à agressão diante do seu estado emocional de preservação da vida.