Justiça Federal determina 'trancamento imediato' de inquérito contra líder indígena Sônia Guajajara

    Advogados da Apib entraram com habeas corpus depois que a Funai pediu à PF abertura de investigação de web série da entidade que aponta ineficiência do governo no combate à Covid-19 nas aldeias

     

     

    A Justiça Federal determinou na noite desta quarta-feira o trancamento imediato do inquérito contra a líder indígena Sônia Guajajara aberto pela Polícia Federal a pedido da Fundação Nacional do Índio (Funai) para investigar a difusão de "fake news" e indícios de crime de estelionato durante a série na web "Maracá", em 2020.

    A decisão do juiz federal Frederico Botelho de Barros Viana da 10ª Vara do Distrito Federal também torna nula a intimação de Sônia para que se apresente junto à PF, "vez que se trata de constrangimento ilegal perpetrado contra sua esfera de direitos", diz trecho do documento ao qual O GLOBO teve acesso.

    "As discussões tratadas na série “Agora é a Vez do Maracá” consubstanciam-se em válidas manifestações do direito fundamental à liberdade de expressão. Não há ali qualquer tipo de conduta, seja ela comissiva ou omissiva, que justifique ilações quanto à legalidade das discussões e informações tratadas. A liberdade de manifestação do pensamento é direito fundamental que não apenas protege a esfera de direitos básicos do indivíduo em sua dimensão pessoal, mas que também viabiliza e compõem toda a estrutura democrática e republicana idealizada na Constituição Federal de 1988", diz a decisão.

    "Assim o sendo, quaisquer ações ou omissões estatais que busque restringir a liberdade de expressão devem ser colocadas sob rigoroso escrutínio. Isso, por óbvio, não significa que abusos devam ser tolerados a despeito de qualquer custo", afirma o juiz.

    A decisão do juiz é uma resposta ao pedido de habeas corpus feito por advogados indígenas da Articulaçao dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), da qual Sônia é coordenadora executiva.

    Em síntese, a Funai alega que nos mencionados vídeos foram divulgadas diversas informações torcidas e tendenciosas com o propósito de manipular dados sobre o contágio e óbito entre os indígenas por força da pandemia causada pelo Covid-19. A Apib argumenta que existe farta quantidade de documentos técnicos que evidenciam a ineficiência por parte do governo federal em combater a pandemia nos territórios indígenas e que, diante de tal omissão, iniciou a campanha emergência indígena para "suprir a inércia do governo federal".

    — Tínhamos a certeza que a Justiça iria atender nosso pedido, pois este inquérito não possui sustentação jurídica e revela-se uma clara perseguição ao movimento indígena por parte da Funai — afirma Luiz Henrique Eloy Terena, um dos três advogados indígenas que assinam o habeas corpus.

     

    "Ilações e constrangimento"

    De acordo com a decisão, a Funai trouxe, em seu ofício, "ilações no sentido de que  Apib estaria utilizando a série de vídeos para manipular os telespectadores pormeio de fake news".

    "Percebe-se que a série de vídeos divulgada pela Apib encontra arrimo junto à Constituição Federal, ainda que se utilize de manifestações mais duras contra o Presidente de República e o Governo Federal. A atividade política e social em defesa da população indígena não pode ser, de forma alguma, perseguida por quaisquer dos aparatos estatais, sejam eles punitivos ou não, pelo simples fato de que traz, em suas considerações, imputações severas contra agente spolíticos e a atual gestão do Poder Executivo."

    Por fim, destaca a decisão, as informações remetidas à Polícia Federal pela Funai  "não trazem quaisquer indícios, mínimos que fossem, de existência de abuso de exercício de direito ou de cometimento de qualquer espécie de crime, seja contra terceiros, seja contra a União."

    "Fica clara a existência de uma tentativa de inviabilizar e depreciar a atuação contra majoritária exercida pela Apib, seja em contexto nacional ou internacional, causando-lhe grave e ilícito constrangimento por forçada existência de um inquérito policial de que nada serve ao interesse público ou àproteção das instituições públicas, já que não calcado em mínima justa causa que fosse."

     

     

    Fonte: Escrito por Daniel Biasetto, para O GLOBO.

     

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