Artigo originalmente publicado pelo Consultor Jurídico.
*Por Paulo Gustavo Guedes Fontes
O autor italiano Luigi Ferrajoli é conhecido sobretudo por suas formulações no âmbito do Direito e do processo penal. Aí defende posições muito coerentes. Afasta-se do abolicionismo penal porque considera o direito penal e as penas criminais importantes para a garantia dos direitos fundamentais em geral. Mas ao mesmo tempo repudia tendências como o direito penal do inimigo ou do autor, porque desmerecem as garantias e direitos fundamentais dos réus.
Para ele, o Direito e o processo penal constituem-se na “lei do mais débil”[1]: quando o crime ocorre, o mais débil a exigir proteção é a vítima; no processo é o réu e na execução o condenado. Sua posição é a de um “direito penal mínimo”, uma vez que tanto os crimes como as penas devem ser os estritamente necessários para os fins de prevenção[2].
Menos conhecidos são os escritos de Ferrajoli no âmbito da Filosofia do Direito e do Direito Constitucional. O estudioso repudia o chamado pós-positivismo e o neoconstitucionalismo. Para ele, o advento do Estado constitucional de direito no século XX, em oposição ao Estado legal de direito do século XIX, não significa uma superação do positivismo, mas o seu completamento[3].
Se no Estado legislativo o administrador está submetido à lei, o Estado constitucional consegue submeter o próprio legislador aos termos da constituição. Mas a constituição para Ferrajoli continua sendo direito positivo e ele não admite que o juiz constitucional maneje os princípios para decidir com base na moral. Segundo ele, o constitucionalismo juspositivista ou garantista que sustenta “rejeita a tentação de voltar a confundir direito e moral, inclusive na forma do constitucionalismo ético”[4].
Essa perspectiva assumida pelo ilustre autor na Filosofia do Direito guarda profunda relação com sua posição na esfera penal. Com efeito, sabemos que o Direito Penal é aquele mais aferrado ao positivismo jurídico: mesmo em tempos de neoconstitucionalismo, não se permite a ponderação ou relativização de princípios como o da legalidade ou tipicidade penal, e nem das garantias processuais penais.
Ferrajoli insiste, no âmbito penal, numa noção própria da Filosofia do Direito e especialmente cara ao positivismo jurídico, que é a tese da separação entre direito e moral. Na esfera penal, não há possibilidade ou não deve haver espaço para que o juiz decida com base em perspectivas morais, nem na hora de tipificar a conduta, nem no momento da apenação. Repudia, portanto, o “direito penal do autor”, em que a reprovação moral e política do réu é o ponto de partida do processo penal. A acusação, por outro lado, deve conter elementos específicos e factuais, capazes de serem refutados pela defesa no plano empírico e não no plano das valorações[5].
A prova assume portanto importância capital no pensamento de Ferrajoli: é preciso que ela seja feita de modo cabal e racional. E aí mais uma vez se encontram suas formulações filosóficas e penais. Não é preciso que a lei seja “verdadeira”, aliás, não se cogita disso, e pode-se em relação a ela aceitar a assertiva atribuída a Hobbes: “auctoritas, non veritas facit legem”, isto é, é a autoridade e não a verdade o que faz a lei.
Mas a atividade judicial, ao contrário, está submetida à exigência da verdade: “veritas, non auctoritas facit iudicium”, ou seja, é a verdade e não a autoridade o que faz a jurisdição.
A decisão judicial não se justifica pela simples autoridade, como defenderia um realismo jurídico vulgar. Ela só se justifica se puder comprovar a verdade, a correspondência do raciocínio judicial com os termos da lei e da constituição, da forma mais objetiva possível e limitando-se ao máximo a subjetividade do juiz[6].