Tráfico humano é escravidão moderna

    Por Julia de Albuquerque Barreto e Inês VirgÍnIa P. Soares*

    Artigo publicado originalmente em: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2022/07/trafico-humano-e-escravidao-moderna.ghtml 

    Tráfico humano é escravidão moderna

    Fila de imigrantes na fronteira entre o México e os EUA: busca de vida melhor expõe ao risco de tráfico humano CHANDAN KHANNA / AFP

     

    Recrutamento. Transporte. Transferência. Alojamento. Acolhimento de pessoas. Essas são as condutas que caracterizam e definem o crime de tráfico humano, quando aliadas a uso da força, ameaça ou outras formas de coação — como rapto, fraude, engano, abuso de autoridade ou da situação de vulnerabilidade. O crime trata gente como coisa, para comercialização e obtenção de lucro. A subtração da liberdade e da dignidade em situação de tráfico humano está presente nas diversas formas de exploração: sexual, trabalho análogo ao escravo ou para extração de tecidos e órgãos do corpo.

    As causas que favorecem o tráfico de pessoas decorrem geralmente das vulnerabilidades coletivas e individuais. São coletivas modelo econômico, colonialismo (com passado frequentemente escravocrata), racismo estrutural, machismo e misoginia, desemprego, baixa escolaridade, discriminação por orientação sexual. Individuais são sonhos e expectativas de um futuro melhor, busca de oportunidades, experiências e ambições financeiras, entre outras.

    O absurdo da perversidade do tráfico humano leva o tema ao lugar de “lenda urbana” ou de ficção, que só caberia em novelas, filmes ou peças. No entanto a realidade insiste em lembrar que milhões de pessoas são traficadas todos os anos, em todo o mundo.

    O assunto é árido, sangra, constrange quem foi vítima, causa repulsa em quem ouve os relatos e é matéria pouco esclarecida mesmo em instâncias formais de acesso à Justiça. Por isso precisa ser bem apresentado para sair da invisibilidade, sensibilizar a sociedade e trazê-la para a rede de enfrentamento.

    Nesse contexto, é importante o papel dos veículos de comunicação e da arte. Vale lembrar o sucesso da novela “Salve Jorge”, de Glória Perez, exibida pela Rede Globo, e sua relevância para a divulgação do assunto e conhecimento das iniciativas de prevenção. Medidas simples como desconfiar de promessas de trabalho no exterior muito vantajosas, deixar cópia de seu passaporte com pessoas amigas ou sair do país com o endereço da embaixada ou do consulado do Brasil na cidade onde ficará podem reduzir os riscos.

    Quem não está familiarizado com o assunto tem a oportunidade de ser parte de uma rede de combate ao tráfico de pessoas, começando pelo reconhecimento desse crime. Esta semana do 30 de julho, Dia Mundial e Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, convida a uma imersão sobre o tema.

    Além de ligar para o Disque 180 e o Disque 100, do governo federal, é possível fazer a denúncia nas polícias e nos Ministérios Públicos, estaduais ou federal, a depender de o deslocamento da vítima ter sido interno ou para o exterior.

    No mais, todo dia é dia de repensar os vínculos de trabalho e exercitar cotidianamente o olhar para detectar e refutar as diversas situações que expõem pessoas à escravidão moderna, que tem formas sofisticadas de controle das presas, sem correntes, grades nem celas.

     

    *Julia de Albuquerque Barreto é mestre em Direito Político e Econômico, e Inês Virgínia P. Soares, desembargadora federal no TRF3, é doutora em Direito

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