A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu por unanimidade que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) é aplicável para situações de violência contra mulheres transexuais em casos domésticos ou familiares. O precedente inédito do Colegiado estabeleceu medidas protetivas a uma mulher trans, vítima de agressões pelo próprio pai. O “Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero”, elaborado com participação da Comissão Ajufe Mulheres, foi adotado no julgamento.
Entenda o caso
O caso de violência ocorrido em São Paulo, teve como episódio a filha sendo agredida por seu pai, usuário de álcool e drogas.
Foi então feito o pedido de medida protetiva para preservação da segurança e vida desta mulher e negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, pois o conceito "mulher" é usado na Constituição Federal, e nada justifica que ele seja interpretado, ao menos em matéria penal, como diferente do "sentido científico".
Diante de tal entendimento do TJSP, o Ministério Público de São Paulo entrou com recurso no STJ alegando que o acórdão violou o artigo 5º da Lei Maria da Penha. E defendeu que a única interpretação possível é a que protege a mulher contra qualquer espécie de violência fundada no gênero e não apenas no sexo biológico.
O STJ
Relator do caso, o ministro Rogerio Schietti (STJ) discordou da decisão do TJSP ao definir o fator meramente biológico para a incidência da Lei Maria da Penha. E ainda abordou conceitos de sexo, gênero e identidade de gênero, com base na doutrina especializada e na Recomendação 128 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que adotou protocolo para julgamentos com perspectiva de gênero.
"A Lei Maria da Penha nada mais objetiva do que proteger vítimas em situação como a da ofendida destes autos. Os abusos por ela sofridos aconteceram no ambiente familiar e doméstico e decorreram da distorção sobre a relação oriunda do pátrio poder, em que se pressupõe intimidade e afeto, além do fator essencial de ela ser mulher", apontou.
Segundo Schietti, "gênero é questão cultural, social, e significa interações entre homens e mulheres", enquanto sexo se refere às características biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, de modo que, para ele, o conceito de sexo "não define a identidade de gênero".
O ministro ainda lembrou que o Brasil responde, sozinho, por 38,2% dos homicídios contra pessoas trans no mundo, e apontou a necessidade de "desconstrução do cenário da heteronormatividade", permitindo o acolhimento e o tratamento igualitário de pessoas com diferenças. Leia o voto: https://bit.ly/3jcX2XR.
Protocolo
O CNJ, diante da Recomendação n. 128 de 15/22, deliberou a adoção do “Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero”, no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário.
O objetivo do documento é capacitar e orientar a magistratura no processo e julgamento de casos concretos, propondo que magistradas e magistrados julguem sob a lente de gênero, avançando na efetivação da igualdade e nas políticas de equidade.
A Ajufe, por meio da Comissão Ajufe Mulheres, criou uma cartilha para julgamentos com perspectiva de gênero, reunindo em uma obra conceitos que reconhecem as desigualdades históricas, sociais, políticas, econômicas e culturais a que as mulheres estão e estiveram sujeitas desde a estruturação do Estado.
A cartilha traz a compreensão de alguns conceitos prévios, como a distinção entre sexo, gênero e orientação sexual; o que são estereótipos de gênero; e o que é o machismo. Acesse à Cartilha: https://bit.ly/345lHGS.