A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve parte da sentença que julgou procedente a acusação e condenou pai e filho, respectivamente, proprietário e administrador de uma fazenda em Mato Grosso (MT) por manterem 21 seringueiros em condições análogas às de escravo (art. 149 do Código Penal).
Segundo o relator, juiz federal convocado Pablo Zuniga Dourado, os seringueiros foram sujeitados a condições degradantes de trabalho na fazenda destinada à extração de borracha pertencente ao pai acusado, beneficiário final dos lucros, e administrada principalmente pelo seu filho, também alvo da investigação e responsabilizado pelo crime. A sujeição teria permanecido no período entre 2005 e 2009.
Na denúncia, o Ministério Público Federal (MPF) indicou que os seringueiros não recebiam remuneração devida, dormiam sobre tábuas em barracos de lona e madeira e alimentavam-se precariamente, consumindo água insalubre e dividindo o ambiente com animais peçonhentos. Viviam sem quaisquer condições de higiene, distantes por vários quilômetros dos locais de origem. Foram observadas também: irregularidades no registro funcional; discriminação das seringueiras (mulheres consideradas apenas ajudantes dos maridos, embora também trabalhassem na extração do látex) e servidão por dívida (sistema “truck sistem”). Além disso, os trabalhadores não tinham equipamentos de proteção necessários às atividades que exerciam nos seringais, chegando ao ponto, inclusive, de levar materiais tóxicos para serem armazenados onde moravam com suas famílias, conforme o MPF.
Os réus apelaram ao TRF1 requerendo, entre outros pontos: absolvição nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal (CPP), com reconhecimento da atipicidade dos fatos. Argumentaram os recorrentes não ter havido comprovação de cerceio de ir e vir, de restrição ao poder de reação ou ainda de opressão que impedisse os trabalhadores de deixar o local de trabalho e ser inexistente o elemento subjetivo (dolo), pois teriam adquirido a propriedade rural sem alterar as práticas de trabalho anteriormente adotadas, não tendo a intenção deliberada, livre e consciente de reduzir os seringueiros à condição análoga à de escravo.
No voto, o magistrado convocado salientou que é firme a jurisprudência no sentido de que o crime é de ação múltipla e conteúdo variado. “Independe da restrição à liberdade de locomoção da vítima, que, após a alteração do dispositivo penal pela Lei 10.803/2003, passou a ser apenas mais uma das modalidades de configuração do delito”, afirmou.
Para o relator, não havia que se falar em atipicidade no caso. “A conduta de submeter trabalhadores, sem registro funcional, a condições degradantes de trabalho, tais como ausência de equipamento de proteção individual (EPI) para a extrair o látex das seringueiras e aplicação de agrotóxicos que, inclusive, ficavam armazenados em seus alojamentos sem nenhuma proteção, ausência de instalação sanitária no local de trabalho, moradias precárias, falta ou dificuldade de acesso à água potável, bem como o pagamento dos salários por vezes inferiores ao mínimo e pela via de cheques nominais de outra praça, configura o tipo penal de redução à condição análoga à de escravo (art. 149, CP), cuja materialidade é comprovada pelo Relatório de Fiscalização do Ministério do Trabalho e pela prova testemunhal”, destacou.
Quanto à autoria, o magistrado considerou que de fato recai sobre os apelantes. “O primeiro é o proprietário da fazenda e beneficiário final do resultado do trabalho dos seringueiros na medida em que ficava com 75% da renda bruta decorrente da extração do látex. O segundo é apontado como administrador da propriedade rural, pois, além dos pagamentos que admitiu fazer, o Relatório da Fiscalização o classificou como verdadeiro gestor da fazenda, considerando sua influência na definição do valor do látex de borracha”, ressaltou o juiz federal convocado, e verificou ainda a presença do elemento subjetivo do tipo penal na modalidade de dolo eventual, uma vez que os dois visitavam a fazenda e vistoriavam as condições degradantes de trabalho, tendo, portanto, consciência da ilicitude.
Por fim, o relator também desconsiderou a tese dos apelantes de que apenas adquiriram a propriedade rural e continuaram a exploração da extração mineral sem alterar as condições e as relações de trabalho anteriormente existentes. “Diante de condições degradantes de trabalho, cumpre ao responsável promover as modificações necessárias para o regular funcionamento da atividade extrativista, não podendo valer-se da própria torpeza para agir em desacordo com o ordenamento jurídico (nemo auditur propriam turpitudinem allegans)”, concluiu.
Reformada a sentença tão somente quanto à dosimetria da pena dos réus.
A decisão da Turma foi unânime.
Fonte: Assessoria de Comunicação Social do TRF1.