TRF5 nega reintegração ao serviço público de professor acusado de assédio sexual e estupro

    Julgamento se baseou no “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero”, do CNJ

     

    A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 negou, por unanimidade, provimento ao recurso de um professor acusado pelos crimes de assédio sexual e estupro contra duas estudantes menores de idade para ser reintegrado ao serviço público. O Colegiado confirmou a sentença do Juízo da 4ª Vara da Justiça Federal no Ceará (JFCE), que manteve a demissão do servidor, efetivada pela instituição de ensino. 

    De acordo com os autos, o professor respondeu a processo administrativo disciplinar (PAD), acusado de assediar sexualmente duas de suas alunas, praticando com uma delas relação sexual sem consentimento. O apelante buscava a anulação da demissão - que implica restrição de retorno ao serviço público federal pelo prazo de cinco anos -, a sua reintegração ao cargo ocupado no serviço público, bem como o pagamento dos salários respectivos. Em suas razões recursais, o acusado alegou presunção da inocência, falta de provas materiais dos fatos, arquivamento do inquérito policial e ausência de testemunhas. 

    A denúncia dos atos praticados pelo professor à instituição de ensino foi apresentada por uma coordenadora escolar, com a seguinte descrição: "O denunciado, prevalecendo-se de sua condição de professor, obteve favorecimento sexual consistente em praticar ato libidinoso com duas estudantes do Ensino Médio, (...), em 2014, e (...), em 2018, sendo ambas adolescentes quando dos fatos ocorridos”. Ao PAD foram anexados relatórios de atendimentos psicológicos e de serviço social às estudantes, além de depoimentos de professoras e professores. Também foram juntados prints de mensagens trocadas em grupo de WhatsApp entre o autor e as suas alunas. 

    Após a instrução do processo administrativo, a instituição apelada concluiu terem sido violados pelo professor vários dispositivos dos artigos 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112/1990. 

    Além desse normativo, a Quinta Turma do TRF5, com base no voto da relatora do processo, desembargadora federal Joana Carolina, considerou o Decreto nº 99.710/1990, através do qual o Brasil promulgou a Convenção sobre os Direitos das Crianças, e a Lei nº 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. “Inicialmente, cumpre sublinhar que o autor reconheceu, administrativamente, que teve envolvimento de caráter sexual com as duas alunas (em sua própria casa). No entanto, a despeito da sua confissão, tentou ‘normalizar’ as suas condutas, afirmando se tratar de relacionamentos consensuais e negando que, para concretizá-las, tivesse se utilizado da sua condição de professor e que, em razão delas, tivesse beneficiado as estudantes na atribuição de notas”, escreveu, em seu voto, Joana Carolina. 

    Para a magistrada, é inequívoca a ascendência da figura do docente em relação aos alunos - sobretudo, em se tratando de adolescentes -, considerando a prerrogativa do professor de lhes atribuir notas, aprová-los ou reprová-los. “Valendo-se do cargo que ocupava, aproveitando-se, a partir dessa posição de poder, da vulnerabilidade, por assimetria relacional, da aluna, dela obteve favores sexuais (proveito pessoal), em detrimento da dignidade da função pública, o que se enquadra na moldura típica do art. 117, IX, da Lei nº 8.112/1990, que autoriza, por sua gravidade, a aplicação da pena de demissão e a restrição de acesso a novo cargo público, nos termos de expressas disposições legais”, enfatizou.  

    Julgamento com perspectiva de gênero - O julgamento desse processo se baseou no “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero”, publicado em 2021 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “O primeiro passo para julgar com perspectiva de gênero ocorre na aproximação do processo. Desde o primeiro contato, é necessário identificar o contexto no qual o conflito está inserido. Não se cuida apenas da definição do ramo jurídico a que se refere a demanda posta ou dos marcos legais a ela pertinentes, como de família, penal, cível ou trabalhista, por exemplo. É preciso, de pronto, questionar se as assimetrias de gênero, sempre em perspectiva interseccional, estão presentes no conflito apresentado”, assegurou Joana Carolina.

    Em seu voto, a desembargadora enfatizou que a violência de gênero decorrente de assédio é uma questão que permeia todos os segmentos da justiça, na medida em que sua prática é difusa e afeta especialmente as mulheres que se encontram em posição assimétrica desfavorável, no contexto social no qual elas estão inseridas.

    “Quando da análise de provas produzidas na fase de instrução, é questionar se uma prova faltante de fato poderia ter sido produzida. Trata-se do caso clássico de ações envolvendo abusos que ocorrem em locais privados, longe dos olhos de outras pessoas. Estupro, estupro de vulnerável, violência doméstica são situações nas quais a produção de prova é difícil, visto que [...] tendem a ocorrer no ambiente doméstico. Esse questionamento pode ser feito também em circunstâncias nas quais testemunhas podem ter algum impedimento (formal ou informal) para depor. É o caso, por exemplo, de pessoas que presenciam casos de assédio sexual no ambiente de trabalho, mas que têm medo de perder o emprego se testemunharem. Em um julgamento atento ao gênero, esses questionamentos são essenciais e a palavra da mulher deve ter um peso elevado”. 

    Segundo ela, outra questão importante é o nível de consistência e coerência esperado nos depoimentos. “Abusos - como os mencionados acima - são eventos traumáticos, o que, muitas vezes, impede que a vítima tenha uma percepção linear do que aconteceu. Ademais, é muito comum que denúncias sejam feitas depois de muito tempo da ocorrência dos fatos. Isso acontece por medo, vergonha ou até pela demora na percepção de que o evento de fato ocorreu ou de que algo que aconteceu tenha sido problemático”.

    Joana Carolina finalizou destacando que, ainda que o inquérito policial tenha sido arquivado, o encerramento do caso na esfera policial não afetaria o PAD, haja vista a independência das instâncias de responsabilização. “O fato de as alunas terem optado por não depor, na esfera policial, longe estaria de corresponder à negativa dos fatos tratados no PAD, denotando, em verdade, o sofrimento que a sua abordagem faria reviver”.

     

     

    Por: Divisão de Comunicação Social do TRF5
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