Por Raquel Coelho Dal Rio Silveira*
Publicado originalmente em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/justica-eleitoral-a-quem-compete-o-exercicio-de-sua-jurisdicao/
O alto custo de campanhas eleitorais, a fragmentação partidária, a falta de democracia intrapartidária, a vulnerabilidade institucional entre os três poderes são alguns aspectos da crise que o País enfrenta.
Assiste-se a uma judicialização da política, funcionando o Judiciário como segunda e inadequada instância do jogo político.
Nesse contexto, é fundamental o papel da Justiça Eleitoral (JE), criada em 1932 para moralizar as eleições e efetivar a democracia, e extinta em 1937. Reinstalada em 1945, não conta com quadro próprio de magistrados.
O Ministério Público Eleitoral tem como chefe o procurador-geral da República.
Nos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE’s), cujos membros são nomeados pelo presidente da República, atuam os Procuradores Regionais da República.
O orçamento da Justiça Eleitoral advém dos cofres da União; sua administração segue a legislação federal; os servidores integram o pessoal da União e são por ela remunerados; a polícia judiciária eleitoral é federal; multas eleitorais revertem-se ao Tesouro Nacional.
Inegável, portanto, a natureza federal da JE. Assim, a quem compete o exercício de sua jurisdição?
Quando reimplantada a JF, em 1965, por sua estrutura precária, não interiorizada, delegou-se aos estaduais o exercício da competência eleitoral e de outras matérias, o que não mais se justifica, de modo que a manutenção da jurisdição nas mãos destes configura inconstitucionalidade progressiva.
O ministro Marco Aurélio, no julgamento da Pet. 332-75.2011.6.00.0000/DF (TSE, rel. min. Gilson Dipp), afirmou ser a Justiça Eleitoral federal por natureza. Lembrou que ‘quando havia o vezo de entender que, na primeira instância, haveria atuação apenas de juiz da Justiça comum, não havia a Justiça Federal, não existia a magistratura de primeira instância federal’.
Disse ainda: ‘Não coloco em dúvida a independência da magistratura estadual, apenas digo que está mais próxima das forças políticas locais.’
Se a jurisdição eleitoral deve ser exercida por juízes federais, por que os estaduais continuam a exercê-la? Infelizmente, porque as lideranças políticas querem continuar exercendo seu poder sobre os magistrados estaduais, e estes, recebendo gratificação pelo exercício de tal competência, não querem abrir mão dela.
Ressalta-se que a Justiça Federal, na forma como está estruturada, permitirá o distanciamento necessário de forças políticas e permitirá a especialização hoje tão almejada, dispensando o rodízio entre juízes.
Nos TREs, a participação da JF é de apenas um juiz, revelando desequilíbrio na sua composição e concentração de poder nos tribunais estaduais.
Destaque-se o julgamento do Inq. 4435/DF, em 14 de março p.p., quando o STF entendeu ser a JE competente para julgar crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos.
Por tal decisão, é possível um juiz de vara de família exercer a função eleitoral e ter que julgar um crime eleitoral conexo a crimes complexos de natureza federal (lavagem de dinheiro e corrupção), sendo sua atuação por tempo exíguo para tal mister, já que há rodízio.
Assim, para manter-se a coerência no entendimento do Min. Marco Aurélio, a jurisdição eleitoral deve ser exercida por juízes federais e agora é o momento de se lutar por isso, assim como pela ampliação da participação da JF na JE em segundo grau, para que esta se fortaleça e melhor desempenhe seu papel de guardiã da democracia.
*Raquel Coelho Dal Rio Silveira, juíza federal. Mestre em Direito pela PUC