Justiça Federal autoriza ONG como “amicus curiae” em processo de subtração internacional de crianças 

    A 1ª Vara Federal de Guarulhos/SP autorizou o ingresso da entidade Grupo de Apoio a Mulheres no Exterior (Gambe) como “amicus curiae” em processo que apura sequestro internacional de crianças. A mãe de duas meninas afirma que o pai as trouxe, de Portugal para o Brasil, sem a autorização dela, e pede a devolução. 

    Na decisão, o juiz federal Roberto Lima Campelo considerou que o Gambe tem “inegável capacidade e representatividade” para agir como ‘amicus curiae’, uma vez constatada a relevância da questão debatida.  

    O termo “amicus curiae”, expressão latina que significa “amigo da corte” corresponde a pessoa física ou jurídica, órgão ou entidade especializada que ingressa em uma ação sem que haja interesse direto na causa, com a finalidade de fornecer subsídios ao julgador. 

    O juiz federal observou que inicialmente o ordenamento jurídico permitiu a intervenção de terceiro apenas em ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade. 

    “Atualmente, o instituto está previsto no artigo 138 do Código de Processo Civil (CPC), que universaliza a possibilidade da utilização do ‘amicus curiae’ para todos os processos regidos pela lei. O CPC exige que se demonstre a repercussão social do tema.” 

    A ação foi movida pela mãe das crianças. Ela afirma que o pai trouxe as filhas, de Portugal para o Brasil, sem a autorização dela. Conforme o processo, o casal havia se separado e firmado um acordo pelo qual a guarda fora concedida ao pai. Posteriormente, a família voltou a conviver a bordo de um catamarã até uma parada na cidade do Porto, em Portugal. 

    A autora argumenta que sofreu violência doméstica e que as crianças foram negligenciadas pelo pai. Ela relata que, ao desembarcarem na cidade do Porto, obteve de autoridades portuguesas ordem de remoção, juntamente com as filhas, para um abrigo, com o intuito de protegê-las, reservando o direito de visita ao pai. Em agosto, durante um período de quatro dias em que ele esteve com as crianças, ocorreu o retorno ao Brasil. 

    A ONG 

    O Gambe é uma organização não governamental (ONG) que presta a assistência a mulheres migrantes vítimas de violência. A entidade atua em casos de suposta subtração internacional de crianças.  

    Segundo Roberto Lima Campelo, “o tema da subtração internacional de crianças é absolutamente complexo, porque repleto de inúmeros elementos não apenas estritamente legais, mas por circunstâncias como possível violência doméstica, o bem-estar das crianças, as condições de vida dos infantes, seja sob a guarda da mãe ou do pai, dentre outras”. 

    O magistrado acrescentou: “O ‘amicus curiae’ é um instrumento que fortalece o princípio do contraditório, sendo, pragmaticamente, de extrema utilidade e necessidade para que o Poder Judiciário possa absorver a complexidade interna e externa da demanda, inclusive sob aspectos não estritamente jurídicos”, afirmou. 

    O pai das crianças contestou o ingresso da ONG no processo, que tramita sob sigilo. Ele alegou que a entidade seria parcial e atuaria em defesa da autora da ação. O magistrado não acolheu as alegações. 

    “Quanto à alegação de que o Gambe não seria imparcial, porque desde 2020 tem relação com a parte autora, é de se rejeitar. Com efeito, segundo consta dos autos, o motivo pelo qual a ONG entrou em contato com a parte autora foi precisamente dentro de seu escopo institucional, ou seja, proteção de mulheres sujeitas violência, não existindo motivo justificável para que este fato, por si só, comprometa a imparcialidade da organização”, salientou. 

    Perspectiva de gênero 

    "O juiz federal citou a necessidade analisar o caso a partir da lente de gênero, mencionando o Protocolo para Julgamento com a Perspectiva de Gênero, conforme a Resolução nº 492/2023, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

    “No contexto de ações judiciais como o presente caso, é necessário, concretamente, avaliar eventual ilicitude da subtração internacional de crianças ou as condições de vida no exterior, sob o prisma da perspectiva de gênero, levando-se em consideração, inclusive, a questão de eventual violência doméstica como condição excepcional que justifica o afastamento do casal.” 

    Em outra decisão, o magistrado determinou o envio dos autos à desembargadora federal Inês Virgínia Prado Soares, na condição de juíza de Enlace da 3ª Região para a Convenção da Haia de 1980. 

    O juiz de Enlace está previsto na Resolução nº 449/2022, do CNJ, que dispõe sobre a tramitação das ações judiciais fundadas na Convenção da Haia sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças (1980). 

    Por Assessoria de Comunicação Social do TRF3   

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