Evento no TSE expõe disputa de juízes por atuação em processos criminais da Justiça Eleitoral

    Associação de magistrados defende convocação de juízes estaduais; associação de juízes quer que a categoria ocupe os postos

     

    BRASÍLIA – A audiência pública organizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para debater como será posta em prática a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que transferiu para juízes eleitorais processos sobre crimes comuns expôs uma briga corporativa. De um lado, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) defendeu a convocação de juízes estaduais para reforçar varas eleitorais, que terão mais processos para julgar e precisarão de maior especialização. De outro, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) quer que juízes eleitorais ocupem esses postos.

    Por trás da disputa, estão R$ 5.390,26. A quantia é paga a mais, além do salário habitual, ao juiz convocado para atuar na Justiça Eleitoral. Atualmente, quando há necessidade, são chamados juízes eleitorais. Mas, com a decisão do STF, os magistrados federais viram a possibilidade de receber também a quantia.

    — A Justiça Eleitoral precisa criar uma estrutura para julgar crimes que tradicionalmente não são julgados por ela. Quando falamos de macrocriminalidade, lavagem dinheiro, organizações criminosas, é necessário fazer essa reflexão. A ideia é que possamos trabalhar com dois juízes na zona eleitoral, o estadual e o federal. A Justiça Eleitoral vai passar a julgar crimes comuns, que são tanto de competência da Justiça Estadual, quanto da Federal. Nosso objetivo é a busca da eficiência, de uma justiça célere, dentro de uma nova realidade — disse o presidente da Ajufe, Fernando Mendes.

    — É falsa a afirmação de que a decisão do STF conduz à impunidade. Isso não corresponde a realidade. A magistratura brasileira como um todo atua firme no combate a corrupção. Todos os juízes são da mais alta competência. Nesse caso, é a Justiça Estadual que atua na Justiça Eleitoral — discordou o presidente da AMB, Jayme Martins.

    Em março, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao TSE a convocação de juízes federais para atuar na Justiça Eleitoral. Se o pedido for aceito, processos criminais conexos a delitos eleitorais seriam conduzidos pelo Ministério Público Federal, e não pelo Ministério Público Estadual. É uma forma de deixar a Lava-Jato nas mãos dos mesmos investigadores de antes da decisão do STF.

    O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho, que também estava no evento do TSE, defendeu a convocação de juízes eleitorais para atuar nos processos criminais. Ele ressaltou que esse ramo da Justiça tem vasta experiência em crimes complexos, como a lavagem de dinheiro e a evasão de divisas.

    Em 2012, o TSE negou um pedido da Ajufe e de outras quatro associações para que os juízes federais eles também pudessem ocupar cargos na primeira instância da Justiça Eleitoral. Na época, o TSE entendeu que a Constituição Federal reserva essa função aos juízes estaduais. A Corte de hoje, com composição totalmente diferente, pode tomar outra decisão agora.

     

    Comissão irá elaborar diretrizes

    A partir da audiência pública, uma comissão formada no TSE vai elaborar um parecer com diretrizes para a Justiça Eleitoral colocar em prática a decisão do STF. Hoje, cada tribunal tem agido de forma diferente. A ideia é unificar essa conduta. O relatório final da comissão deve ser entregue à presidente do tribunal, ministra Rosa Weber, no dia 14 de maio.

    A discrepância da realidade dos estados também foi exposta na audiência pública desta sexta-feira. O presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo, desembargador Carlos Eduardo Padin, disse que a Justiça Eleitoral está capacitada para analisar também os processos criminais. Só seria necessário realocar recursos humanos e materiais. Já o desembargador Daniel Rocha Sobral, do TRE de Piauí, disse que será necessário convocar juízes criminais especializados para reforçar as zonas eleitorais.

    — Toda a magistratura eleitoral, principalmente a de primeiro grau, se sente plenamente capacitada de dar conta não só desses processos (criminais), mas de qualquer outro processo que venha bater à porta desses juízes. Os juízes eleitorais são concursados, selecionados, da mais larga experiência, alguns com mais de 20 anos de carreira. Não se trata aqui de rever a estrutura da Justiça Eleitoral. Essa estrutura está posta e deve ser obedecida. Precisamos apenas adequar os recursos humanos e materiais — disse Padin, admitindo a possibilidade de convocação de juízes para varas eleitorais, se houver necessidade.

    Para o desembargador piauiense, é necessário criar varas especializadas nos estados para conduzir os processos criminais. Ele sugeriu a convocação de juízes federais para atuarem na área, junto com juízes estaduais, em apoio à proposta da Ajufe. Segundo o magistrado há “orçamento de sobra” para colocar a ideia em prática.

    — A Justiça Eleitoral não está estruturada para esse sentido, não adianta jogar palavras ao vento dizendo que existe essa estrutura. Não existe nem estrutura, nem expertise —declarou Sobral.

     

    Varas especializadas

    A criação de varas especializadas é uma polêmica à parte. Na audiência, foi dito que alguns TREs, como o do Rio Grande do Sul, criaram varas desse tipo na Justiça Eleitoral para conduzir apenas os processos criminais. O problema é que, pela regra, o juiz que processa uma determinada pessoa é definido de acordo com o domicílio do investigado ou do local onde o crime foi cometido. Ao criar varas especializadas, o princípio do juiz natural, garantido pela Constituição, estaria ameaçado.

    — Alguns TREs publicaram resoluções para disciplinar a decisão do STF. O TRE do Rio Grande do Sul estabeleceu que duas zonas eleitorais de Porto Alegre teriam competência exclusiva para crimes conexos. Com isso, ataca-se o princípio do juiz natural. Criou-se juízos de exceção — protestou Guilherme Barcelos, da União dos Vereadores do Brasil.

    Para o presidente do TRE de São Paulo, cada estado deve avaliar a necessidade de criação de varas especializadas na Justiça Eleitoral para conduzir crimes comuns.

    — Cada estado devera ver o aspecto de especializar zonas em seus territórios, escolher juízes e facultar a questão de eventual prazo para o juiz ficara na zona eleitoral. Não podemos excluir a convocação de mais de um juiz para a zona eleitoral. Em São Paulo, temos varas especializadas em crimes. Não acho que seja esse fantasma (a Justiça Eleitoral julgar crimes comuns) — declarou Padin.

    O presidente da AMB disse que esse assunto precisa ser avaliado ainda:

    — Se vai ter vara especializada ou não, estudos que devem ser feitos.

    O ministro do TSE Og Fernandes, que presidiu o evento, não quis comentar sobre a legalidade ou não das varas especializadas já criadas nos estados. Ele ressaltou, no entanto, que os presidentes dos TREs ainda estão procurando formas de se adequar à decisão do STF.

    - Se é matéria que pode causar questionamento, significa dizer que virá à apreciação do Judiciário. Entendo que não posso me manifestar, porque posso ser chamado, aqui no TSE, a decidir. Não conheço o texto, mas conheço as preocupações dos presidentes dos TREs. ,Sei que eles estão angustiados com a necessidade de implementar (a decisão do STF), em alguns estados mais que outros. Em princípio, o sentido é de compreender a preocupação do gestor do TRE que tem, no final das contas, a grande responsabilidade de implementar essas medidas em cada estado -  disse o ministro.

    Também na audiência do TSE, alguns participantes manifestaram preocupação no sentido de que a Justiça Eleitoral respeite o sigilo das informações contidas em processos criminais – como, por exemplo, dados bancários de investigados. O representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Carlos da Costa Porto Neves, sugeriu que os servidores sejam orientados para preservar o sigilo das informações. Ele também defendeu que as investigações sejam dirigidas às varas correspondentes ao endereço do réu ou ao local do crime, sem a criação de varas especializadas.

     

    Fonte: matéria originalmente publicada pelo O GLOBO.

    Tags:
    Dúvidas, sugestões ou mais informações?

    Fale Conosco

    Dúvidas, sugestões ou mais informações? Entre em contato com a Ajufe. Queremos melhorar cada vez mais a qualidade dos serviços prestados.

    Os campos com asterísco (*) são de preenchimento obrigatório.
    4 + 3 = ?

    Ajufe.org.br

    A Ajufe utiliza cookies com funções técnicas específicas.

    Nós armazenamos, temporariamente, dados para melhorar a sua experiência de navegação. Nenhuma informação pessoal é armazenada ou capturada de forma definitiva pela Ajufe. Você pode decidir se deseja permitir os cookies ou não, mas é necessário frisar que ao rejeitá-los, o visitante poderá não conseguir utilizar todas as funcionalidades do Portal Ajufe. Enfatiza-se, ainda, que em nenhum momento cria-se qualquer tipo de identificador individual dos usuários do site. Para demandas relacionadas a Tratamento de Dados pela Ajufe, entre em contato com privacidade@ajufe.org.br.