Assunto: contribuição sobre o tema “prisão após condenação em segunda instância” (face ao princípio constitucional da presunção de inocência - artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988) –
No momento, é inevitável que o tema “prisão após condenação em segunda instância” persista nas pautas dos Três Poderes e dos meios de comunicação. Entretanto, por mais que acompanhe recentes julgamentos, ainda não deparei com o trato de determinado enfoque que me parece essencial, tal como contido no texto da opinião que segue como anexo (ou publicada no endereço http://www.ammp.org.br/noticias/ler/idnoticia/16573).
Embora recentemente aposentado (desde 1º/02/2019), foi no exercício da atividade ministerial - como Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, na área de execução penal - que constatei a possibilidade de plena observância do princípio constitucional da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988), sem que isto implique em qualquer óbice à imediata prisão do condenado depois de esgotada a segunda instância.
Em outras palavras, o entendimento contido na referida opinião não demanda qualquer “flexibilização” (relativização ou mitigação) do princípio constitucional da presunção de inocência; dispensa o debate acerca da inegável constitucionalidade do artigo 283, do Código de Processo Penal, contribuindo para explicitar a ausência de real interesse processual para uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC); elide a pretensa necessidade de alteração do texto constitucional - via PEC (Proposta de Emenda à Constituição) - para prisão após condenação em segunda instância; assim como recomenda que NÃO se vincule (como equivocadamente consta na proposta da nova “lei anticrime”) a prisão do condenado, necessariamente, ao esgotamento da segunda instância, sob risco de se passar a deixar de prender traficantes a partir da condenação em primeira instância (art.59, da Lei 11343/06).
Efetivamente, após condenação em segunda instância, ainda que o condenado prossiga com o exercício do seu direito de aviar recurso (desprovido de efeito suspensivo), a oportuna imposição do ônus condenatório, através da execução penal provisória, assegura o equilíbrio entre o interesse da coletividade e o direito do indivíduo cuja culpa está formada.
Mas não é só. Compreendida a indissociável relação entre o conceito de trânsito em julgado e a carência de efeito suspensivo do recurso suscetível, a matéria ganha relevo diante da percepção de que, quando o Juiz, por legal motivo (v.g., artigo 59, da Lei 11343/06), nega efeito suspensivo à apelação - via indeferimento do direito do condenado recorrer em liberdade -, a decisão condenatória transita em julgado de imediato, embora se trate, no caso, de decisão de primeiro grau.
Lançada através de texto objetivo, a opinião aqui apresentada desperta o leitor para uma dicotomia conceitual relevante, traz considerações essenciais e conclui de modo resolutivo, a ponto de conferir segurança jurídica à matéria, através de adequada interpretação do art.5º, LVII, da Constituição da República; devendo ser considerado culpado o condenado por sentença penal contra a qual já não caiba recurso com efeito suspensivo.
Tudo resumindo, é a execução penal definitiva que demanda a coisa julgada (que encerra as ideias de irrecorribilidade e imutabilidade do julgado), bastando o trânsito em julgado da sentença condenatória (insuscetível de recurso com efeito suspensivo) para a execução penal provisória.
OPINIÃO -
Exaure-se a presunção de inocência com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ainda que pendente a coisa julgada –
Cláudio Fleury Barcellos
Procurador de Justiça - MPMG
Um longo e persistente exame da matéria, de modo sistêmico, através de centenas de casos concretos, resultou na percepção de que o Direito Processual Penal brasileiro convive com insólita dicotomia entre os conceitos de trânsito em julgado e coisa julgada, registre-se, não raras vezes tratados de forma ambígua.
Lição do jurista Eduardo Espínola Filho[1] evoca o entendimento de que transita em julgado a sentença penal condenatória a partir do momento em que já não caiba recurso com efeito suspensivo. Ainda que caiba recurso (desprovido de efeito suspensivo, a exemplo dos recursos para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal), o que fica por ocorrer, após o último pronunciamento do último órgão jurisdicional provocado, é a coisa julgada, de conceito diverso, porque é esta que encerra as ideias de irrecorribilidade e imutabilidade do julgado (quando não cabe mais recurso de espécie alguma); entendimento que se conforta com o teor do artigo 502, do novíssimo Código de Processo Civil.
Vale relembrar que o princípio constitucional da presunção de inocência remete o intérprete ao conceito de trânsito em julgado, não ao de coisa julgada, merecendo destaque a observação de que as duas expressões são utilizadas em diferentes incisos (XXXVI e LVII) do próprio artigo 5º, da Constituição Federal de 1988; insofismável evidência de que o Poder Constituinte optou por recepcioná-las com sentidos diferentes, não havendo razão para abstração daquelas acepções reveladas na brilhante lição do supramencionado jurista.
Efetivamente, esgotada a segunda instância, a decisão condenatória transita em julgado de imediato, seja porque os recursos suscetíveis (excepcionais) não têm efeito suspensivo, seja porque as ideias de irrecorribilidade e imutabilidade do julgado não dizem respeito ao conceito de trânsito em julgado, mas ao conceito de coisa julgada; esta sim, que só se consuma com o último pronunciamento da última instância provocada.
Tratando-se de condenado, o esgotamento da segunda instância comporta, dentre outras, as seguintes considerações:
1ª- eventuais recursos do condenado (para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal), dispostos à matéria de direito, não devolvem o reexame de fatos e provas, adiando apenas a ocorrência da coisa julgada, a partir da qual não cabe mais recurso de espécie alguma;
2ª- não se deve conceber que, encerrada a fase de formação da culpa, aquele que já se valeu do duplo grau e foi dito culpado pela segunda instância, a ponto de lhe ter sido imposta uma pena, além de sequer fazer jus a recurso com efeito suspensivo - muito menos, para ver rediscutida ou valorada a sua culpa -, ainda possa ser tido como “inocente”; até porque, entendimento diverso implicaria em claro descompasso com a lógica do pensamento científico.
Em outras palavras, em contexto tal, já não prevalece a condição de réu presumidamente inocente, mas de condenado com culpa formada, suficientemente comprovada;
3ª- a partir de então, não há falar em execução “antecipada” da pena imposta, mas em execução oportuna, através da execução penal provisória, em decorrência de decisão condenatória transitada em julgado, porquanto insuscetível de recurso com efeito suspensivo.
Constata-se, pois, que a lição aqui relembrada conforma a dicotomia conceitual, baliza a extensão do princípio constitucional da presunção de inocência (do estado de inocência, ou da não culpabilidade), acolhe o princípio do duplo grau de jurisdição e assegura eficácia ao combate à criminalidade, deixando assim descortinado, de modo irretocável, o conceito de trânsito em julgado, objeto do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988; preceito cuja adequada interpretação, além de preservar a garantia fundamental em questão, confere efetividade às decisões judiciais e mitiga o sentimento de impunidade que atormenta o povo brasileiro.
[1] “Como ensina Espínola Filho, ”o que diferencia o caso julgado, ou seja, a sentença com trânsito em julgado, da coisa julgada, é ser mister, para ter-se esta, que, contra a decisão, não caiba mais recurso de espécie alguma, ordinário ou extraordinário; ao passo que há caso julgado, passa em julgado a sentença, quando pode ser executada, se bem seja ainda suscetível de impugnação por meio de recurso de caráter extraordinário, sem efeito suspensivo, por já se terem esgotado, ou não mais se poderem usar, os recursos ordinários admitidos.” (Código de Processo Penal brasileiro anotado, Rio de Janeiro, Borsoi, 1959, VII/296, nº 1404 e 1405).” APUD Damásio Evangelista de Jesus, Código de Processo Penal Anotado, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1982, p.384 -