Proprietário da fazenda Mutum, Ruivaldo Nery de Andrade, de 54 anos, é um senhor que, como faz questão de frisar, “possui o pantanal no sangue”. Filho, neto e bisneto de criadores de gado da região, ele reclama que a situação de assoreamento do rio Taquari está acabando com os criadores de gado.
Seu Ruivaldo chegou ao navio da Expedição da Cidadania acompanhado do filho mais velho, Ruivaldinho, de 12 anos. Ele estava em busca de atendimento oftalmológico, pois, com a força do brilho do sol e o reflexo da água, está com problemas na vista.
Após o atendimento, Seu Ruivaldo saiu com uma receita para lentes fotocromáticas, que o ajudarão a se proteger do brilho solar.
Contente com a expedição e com a possibilidade de contar sobre a situação que vive, bem como a de seus vizinhos, ele pediu para conversar com a “juíza do navio”, no caso, a coordenadora da expedição e juíza federal associada da Ajufe, Raquel do Amaral.
Em sua terra, de cerca de cinco mil hectares, Seu Ruivaldo chegou a possuir mais de duas mil cabeças de gado, há mais de 20 anos, quando o pai ainda era vivo. “A fazenda hoje mal cabe 100 cabeças. Se tornou um sítio e caminha para se tornar uma chácara”, lamenta.
Dessa vasta propriedade, 4.700 hectares se encontram hoje submersos, sobrando apenas 300 para o cultivo. Ele também sobrevive do plantio e venda de coco, melancia e mandioca, da produção de doces diversos, entre outros. Em sua terra vivem animais como araras, garças, bugios, búfalos e outros.
Dos 12 irmãos criados na fazenda, sobrou apenas Seu Ruivaldo para cultivar as terras deixadas pelo pai. “Não dá mais nada, mas é minha história, meu berço”. De acordo com ele, há 20 anos, essa região onde se localiza a fazenda Mutum alagava entre janeiro e julho e depois secava novamente. Hoje, com o assoreamento do rio Taquari, o alagamento se tornou definitivo, dificultando, quando não impossibilitando, o plantio e a criação de gado.“Será que eu estou fazendo certo?”, pergunta Seu Ruivaldo ao contar que mantém a família na região por amor à terra, mas que tem medo da condição de educação e desenvolvimento que os filhos recebem.
Educação
Outra reclamação do pantaneiro foi com relação à qualidade da escola do município de Paraguai Mirim, onde o filho mais velho, Ruivaldinho, estuda. “Eu deixo meu filho lá porque não quero que ele seja analfabeto, mas eu tenho medo, a escola não tem nenhuma proteção contra onças”, explica, com lágrimas nos olhos, contando que é constante a presença desses animais selvagens no território da escola. “As onças comem os cachorros da escola e ninguém faz nada. Tem que esperar comer uma criança para haver alguma atitude?”, questiona o pantaneiro.
Atualmente, a escola se encontra com a única fonte de energia sem funcionar, um velho gerador sem proteção contra vento ou chuvas. Por esse motivo, as crianças, professores e demais funcionários não podem pedir socorro caso aconteça algum acidente. O encanamento de esgoto escorre a céu aberto, e, de acordo com moradores próximos, essa situação já é antiga.
Seu Ruivaldo foi entrevistado pela coordenadora da expedição, Raquel do Amaral, oportunidade na qual contou sobre todas as dificuldades que tanto ele quanto os demais ribeirinhos sofrem. Ao final, emocionado, ele pediu ajuda para levar essa história à prefeitura, ao governo e aos setores que possam ajudar na melhoria da qualidade de vida na região.
Ela defende que a situação narrada é extremamente grave, pois coloca as crianças da escola em forte situação de risco. “Eu vou encaminhar as informações passadas pelo Seu Rivaldo às autoridade competentes, no caso o ministério público do Mato Grosso do Sul”, garantiu a coordenadora da expedição.
Coincidência do destino
Michelle da Costa e Silva Carneiro participa da Expedição da Cidadania como funcionária da Justiça Federal. Moradora de Corumbá, ela se lembrou de uma fazenda do avô já falecido, Fernando Mota Carneiro, abandonada há mais de 10 anos.
Conversando com Seu Ruivaldo, Michele descobriu que a fazenda do avô, Talismã, é vizinha da fazenda Mutum. Contente com a descoberta, Seu Ruivaldo convidou Michele para visitar as duas fazendas.
Muito emocionada com a situação, a expedicionária foi conhecer a fazenda, acompanhada de Seu Ruivaldo, que comemorou a possibilidade de voltar a ter vizinhos na região, já que com a situação difícil todos abandonaram as fazendas próximas. “Eu tinha oito vizinhos, cada um empregava de três a cinco famílias, hoje não tenho nenhum” explicou Ruivaldo.
Depois de conhecer o pedaço de terra que o avô cultivou, Michelle afirmou desejar recuperar a fazenda, que se encontra degradada pelo tempo. “Eu não sabia direito nem a região onde ficava. Como sei que meu avô brigou muito por essa terra, fiquei muito emocionada de poder conhecer”, explica, agradecendo a Seu Ruivaldo pela experiência única.