Após a cerimônia de abertura da Expedição da Cidadania em Ladário (MS), no dia 09 de março, a comitiva de juízes federais, servidores públicos e profissionais diversos, organizada pela Ajufe, desembarcou na comunidade pantaneira da região de Jatobazinho e Paraguai Mirim.
O grupo, liderado pela coordenadora do projeto, Raquel Domingues do Amaral, saiu em lanchas da Marinha do Brasil, percorrendo a área próxima e convidando os ribeirinhos para o atendimento.
A população teve acesso a serviços médicos, oftalmológicos e odontológicos, além da possibilidade de emissão de documentos e regularização previdenciária.
Resultados parciais
Até o dia 12 de março, a Expedição da Cidadania deu entrada em 14 processos na Justiça Federal, que terão andamento até maio, quando o grupo retornará para realizar as audiências de instrução e julgamento e proferir as sentenças.
De acordo com Raquel Domingues do Amaral, o atendimento vem sendo eficiente e a população se mostra receptiva. “É uma população muito carente e os serviços prestados ajudam a amenizar a distância que eles sentem do Estado”.
Pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), já foram 18 atendimentos e 7 benefícios concedidos, sendo 4 salários-maternidade, 2 Loas (Lei Orgânica da Seguridade) e 1 aposentadoria.
Na expedição de documentos, foram 20 Cadastros de Pessoa Física (CPFs), 6 Carteiras de Trabalho (CTPS) e 15 documentos de identidade em primeira via, e 3 de segunda via.
Saúde
O clínico geral Juliano Silva de Oliveira, que participa da Expedição da Cidadania, explica que conforme o rio abaixa, estão aparecendo muitas doenças de pele, como micoses. “Estamos passando bastante informação sobre como tratar a água”. Ele explica também que há uma carência grande na região por médicos ortopedistas.
Na área da saúde, foram 10 atendimentos ginecológicos, 100 consultas ao clínico-geral, 30 atendimentos odontológicos e 50 consultas oftalmológicas.
A oftalmologista da viagem, Higia Otano, conta que a maioria dos atendidos nunca havia passado por um oftalmologista. “Todos querem se consultar”, diz. Nos atendimentos feitos por ela, foram detectados problemas como catarata, glaucoma e inclusive um caso de pterígio grau 4, que necessitará de cirurgia.
Ademais, a Dra. Higia realizou 18 prescrições de óculos, que serão pagos pela secretaria de Saúde do Estado de Mato Grosso Sul e entregues na segunda fase da expedição.
Beneficiados
Mais conhecido como Seu Tatu, Ademir da Silva, de 48 anos, é filho de Dona Diva, considerada a “matriarca do município de Paraguai Mirim”.
Personagem famoso na região, Seu Tatu conhece todas as plantas do pantanal só de olhar, mas nunca possuiu nenhum documento.
De acordo com ele, é muito dispendioso o deslocamento até Corumbá para conseguir a documentação. “Tem que ir para a cidade, e é caro isso”.
Pescador de profissão, Seu Tatu conta que a falta da documentação sempre foi um problema, pois não é possível vender os peixes diretamente à população. E os intermediadores pagam muito pouco.
Com a Expedição da Cidadania, Seu Tatu deu entrada para obtenção de RG, Certidão de Nascimento, CPF e Carteira de Trabalho, e agora vai poder faturar melhor com a pescaria. “Me sinto muito feliz com isso, é uma benção”, comemora o ribeirinho.
Realidade pantaneira
Mario Rodrigues é um pantaneiro de 56 anos, filho de mãe boliviana e pai brasileiro, e vive em Paraguai Mirim há mais de 40 anos. Ele trabalha como aquaviário, transportando diariamente em média 10 crianças para a escola de Jatobazinho.
Indagado se gostaria de se mudar do pantanal, ele é enfático: “o ganha pão da gente é nesse rio mesmo”. Mário está acostumado com a vida simples da região, e, por isso, não se imagina vivendo em outra localidade.
O piloto de barcos conta que seria bom contar com a ajuda do Estado para a construção de casas mais altas, ao estilo palafita, para evitar a inundação durante o período de cheia. Além disso, ele acredita que, para a população pantaneira, uma das coisas mais importantes seria a chegada de energia elétrica.
Sobre a Expedição da Cidadania, Mario considera uma ação fundamental, mas pede que esses serviços fossem mais constantes na região. “Eu gostaria que fosse ao menos de 15 em 15 dias”, explicou.
Palestras
No dia 11 de março, o biólogo especialista em herpetiofauna do biotério da Universidade Católica Dom Bosco de Campo Grande (MS) Sérgio Barreto promoveu uma palestra sobre serpentes na escola de Jatobazinho.
O objetivo da palestra foi conscientizar as crianças sobre o trato com serpentes, peçonhentas ou não. “Não é para tirar o medo, é para mostrar que esse animal tem um lado positivo”, explica Barreto.
Para a coordenadora pedagógica da escola, Francisca Renata de Oliveira, a palestra foi “importante por desmistificar a figura da serpente. Dá mais segurança para as crianças e para nós”.
Entretenimento
Na tarde do dia 12, a coordenadora da Expedição da Cidadania, Raquel do Amaral, organizou uma roda de leitura com crianças do município de Paraguai Mirim. Ela leu história como “a bela adormecida” e “João e o pé de feijão”.
Porto de São Francisco
A Expedição da Cidadania atracou no porto de São Francisco, no dia 14 de março, para dar continuidade aos atendimentos à população do pantanal.
Dentre os ribeirinhos beneficiados, está Dona Nilza Mariana de Andrade, 58 anos, nascida e criada na região.
Dona Nilza ficou muito contente com os serviços prestados pela equipe. “Agora começam a enxergar a gente”. Ela conta que a população se sente especial e envaidecida com a visita dos expedicionários da cidadania.
“Os ribeirinhos e nós queremos nos arrumar, ficar bonitos porque nos sentimos importantes”, conta Dona Nilza.
Apesar de feliz, ela reclama das condições da região. “Aqui, onça tem mais direito do que gente”. Ela se refere à proibição da população ribeirinha de possuir armas para proteção contra ataques de animais selvagens.
Ela também se queixa da distância geográfica que isola a população. Todos os bens de consumo vendidos da região custam mais caro do que na cidade mais próxima, Corumbá. A gasolina, por exemplo, combustível indispensável para a locomoção de barco, chega a custar R$ 5 o litro.
“O Estado precisa ajudar, o ribeirinho quer trabalhar, quer ter sua casa bonita, quer crescer”, finaliza Dona Nilza.