Expedição leva cidadania e benefícios a ribeirinhos do Pantanal

    Lúcio Vaz
    Fato Online


    José Teófilo de Oliveira, de 67 anos, esperava pela aposentadoria desde 2008, mas não conseguia “reunir os papéis”. Disseram no INSS para ele “procurar a Justiça”, mas a viagem até Corumbá é cara, e o advogado mais ainda. Ele procurou, então, a Expedição da Cidadania e foi atendido na hora. Emocionado, comentou, na frente da juíza Raquel Domingues, que deu a decisão: “Se a Justiça fosse sempre ansim (sic), este país era uma beleza”.

    Ao longo de centenas de quilômetros pelo rio Paraguai, em regiões remotas dos municípios de Cáceres (MT) e de Corumbá (MS), a Expedição da Cidadania entregou 238 documentos a dezenas de ribeirinhos, que normalmente teriam muita dificuldade para obtê-los. Foram concedidas 50 aposentadorias pela via administrativa e outras 67 com demanda judicial. Também foram entregues carteiras de trabalho, título de eleitor, CPF, certidão de nascimento e até sete certidões de casamento. Alunos da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul ministraram oficinas de desenho para as crianças ribeirinhas. A índia Catarina Guató transmitiu ensinamentos sobre artesanato feito com talos de aguapés. O Fato Online acompanhou a expedição, com exclusividade, de 11 a 19 de maio.

    Na comunidade de Paraguai-mirim, o pescador e trabalhador rural Ademir da Silva, o seu Tatu, consegui tirar o registro de nascimento. Questionado sobre a sua idade, respondeu, constrangido: "Idade eu não sei dizer. Não tive oportunidade de estudo. Mas deve ser uns quarenta e poucos, 48, 49". Atualmente, o trabalho de seu Tatu é pescar e colher isca. "Nós vende (sic) pros barco de turista", contou.

    Provas testemunhais

    Em Jatobazinho, Eunésio Arcanjo de Souza, de 63 anos, assistiu no laptop um vídeo com declarações suas produzido na primeira etapa da edição, cerca de um mês antes. Funcionários da Justiça Federal, Receita Federal, Previdência Social, Ministério do Trabalho, Justiça Eleitoral e cartórios passaram pela região recolhendo pedidos para os mais diversos documentos, além de encaminhamentos de aposentadoria. Na segunda etapa, foram entregues documentos e realizadas audiências pela Justiça Federal para os pedidos de aposentadoria em que não houve acordo com o INSS.

    Com o depoimento de testemunhas da região, seu Eunésio conseguiu a aposentadoria. Uma das testemunhas foi Teófilo de Oliveira, vizinho na Baia do Castelo. No final da audiência, Eunésio perguntou à juíza federal Raquel Domingues se estava garantida a aposentadoria. "Está garantida. O senhor vai começar a receber no próximo mês". Ele respondeu com uma brincadeira que desconcertou a todos: "Então, já posso te pagar aquela caixa de cerveja, compadre".

    O professor Aurélio Briltes, coordenador de Prática Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, atuou como advogado dos ribeirinhos que buscavam a aposentadoria. Ele explicou que, na maioria dos casos, o benefício foi concedido com base nos documentos apresentados pelos interessados. Em outros, foi utilizada a prova testemunhal, o que é previsto quando se trata de direito assegurado a integrantes de comunidades tradicionais, como é o caso dos ribeirinhos.

    A jovem Márcia Nunes da Silva, de apenas 17 anos, acordou às 6h e se deslocou de Porto Castelo por três horas numa rabeta (pequeno barco com motor de popa) para chegar ao local das audiências, na fazenda Jatobazinho. A primeira hora de viagem foi "a remo", abrindo caminho nos camalotes (aguapés). Depois, mais duas horas pelo rio Paraguai. Ela foi buscar a sua carteira de identidade. Levou no colo a filha Júlia, de quase dois anos. Márcia explicou que seria difícil ir até Corumbá para fazer o documento: "A passagem da barca custa R$ 70", relatou.

    Coordenada pela juíza federal Raquel Domingues, a Expedição da Cidadania é um projeto da Ajufe (Associação dos Juízes Federais), com o apoio do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), da Marinha, do governo do Estado do Mato Grosso do Sul, da Prefeitura de Corumbá e de diversos órgãos do governo federal. O patrocínio é da Caixa Econômica Federal e da Itaipu Binacional.

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